e com a palavra...

Brasileiro não suporta poesia




















Foto: "Vida Sem Saída", (Camila Suzuki)

"Porque por ti pintam de azul os hospitais ..."
(Ode a Federico Garcia Lorca/Pablo Neruda)


Em geral, o brasileiro não suporta poesia
Gosta sim, de vez em quando
De uma ou outra quadrinha ritmada
Brasileiro gosta mesmo é de samba duro
Daqueles que rimam amor e dor
Descaradamente
E, às vezes, de saber que
A rotina do sol é raiar
Todo santo dia
Todo santo dia
O brasileiro sequer sabe
Que essa vida que ele leva
É poesia disfarçada
E ele segue sambando a vida
De ladeira em ladeira
De toada em toada
Marcando de leve o compasso
Na caixinha, nas cadeiras
Descaradamente.
(D.S.)

“Brigadeiro é um doce que não precisa de ovos”


Foto extraída do Portal da Metrópole

Salvador: Sebastião Néry foi o primeiro convidado de uma série de entrevistas com grandes personalidades da cultura brasileira

Humor cada vez mais apurado, senso crítico acima da média e a nítida sensação de que as histórias que formam a memória dos bastidores da política e da vida brasileira nas últimas décadas lhe foram confiadas em uma missão épica. Essas são marcas indeléveis do jornalista e escritor Sebastião Néry, 79. Ex-seminarista, ex-deputado federal, cassado durante a ditadura militar, este baiano de Jaguaquara guarda, com riqueza de detalhes, toda minúcia presenciada de local privilegiado em mais de 50 anos de profissão.

Com o olhar vívido da criança que não se cansa de correr pelas ruas, nem de empinar seu papagaio, mesmo diante das mais bruscas intempéries, o escritor parece viver com profundidade cada história que conta. Assim como os goleiros de futebol, Sebastião Néry parece contar com a sorte, que, acrescida de todo o seu talento, faz, como costuma dizer, com que a notícia quase sempre o encontre, e não o contrário.

Quieto, sentado, ouvindo longas explanações sobre suas aventuras na vida política brasileira e baiana desde os tempos de seminário até sua migração para o sudeste do país, Néry crê que nada em sua trajetória aconteceu ao acaso. Cada vez que era provocado pelo sagaz apresentador Mário Kertész, o sempre bem informado empresário Joaci Góes, ou a mordaz jornalista Eliane Cantanhêde, ele saía-se magnífico, contundente nas respostas, mas sem perder a graça em nenhum momento.

Defensor de suas idéias, e dono de uma língua ferina sem, em momento algum, ser leviano, Néry expressou suas opiniões a respeito de grandes vultos da política nacional, como Antonio Carlos Magalhães, a quem atribuiu a já conhecida habilidade de adaptação política sem limites, - chamada por Góes de ‘mimetismo político’ - sejam eles éticos ou morais, e o ex-presidente Getulio Vargas que, segundo informa, não fez, em toda sua trajetória política nada que não tivesse por finalidade o sucesso da nação brasileira.

É capaz de, em tempos de tantos elogios rasgados, atribuir, - sempre com bom humor, repito – a alcunha de egoísta e azarado, ou verdadeira ave de mau agouro, ao ex-presidente Lula; de chamar o prefeito de Salvador de ineficaz e o governador de inexistente, sem ofender, mas nunca deixando de manter-se firme na crítica.

No entanto, em meio a elogios, análises e previsões políticas, sobressai a verve irônica do escritor. Em rara lembrança da memória do Udenista Brigadeiro Eduardo Gomes, um dos maiores rivais de Getúlio, Néry saiu-se com essa:

O Brigadeiro era um homem de coragem. Leal aos seus princípios até o fim. Mas nunca um homem rude ou canalha. Era alto, bonito, e, em 1950 quase desbancou Getúlio, mas não era bom de voto, por isso não ganhou. E – virou-se para a platéia -, vocês sabem que foi em sua homenagem que foi criado o doce, o “negrinho”, não?

Pois é. Dizem que o Eduardo Gomes, durante a Revolta dos 18 do Forte, em 1922, foi gravemente ferido nos testículos. E como ele adorava comer “negrinhos” (brigadeiros), o doce foi rebatizado em sua homenagem. Vocês sabem que brigadeiro é um doce que não precisa de ovos, não é? Todos riram.

A entrevista com Sebastião Néry é o primeiro de muitos encontros com grandes personalidades mediados por Mário Kertész, da rádio Metrópole, e aconteceu no centro de convenções do hotel Fiesta, em Salvador.

Exorcizo leões porque preciso matar um demônio por dia!

Imagem por: Kmetros by Nuno Chambel


Exorcizo leões porque preciso matar um demônio por dia
Tenho o poder de zombar do tempo
Quando chega, bêbado, na boca da noite
Sou azul e tenho asas nos pés, mas vôo cego de manhã
E sei fantasiar de toalha na frente das visitas
Que riem tépidas, sem mexer os lábios

Eu finjo ter sono à noite para parecer normal
E ficar mais próximo de você, enquanto dorme
Desaprendi a voar na direção que te leva o vento
Troco uma realidade por meia ficção usada
Daquelas que vem com pipoca, alguma emoção
E um cartaz pintado à mão na porta do teatro vazio

Leio cartas, sou insone e fantasio com bares e ruas inóspitas
Não viajo, também por medo da estrada
Por isso roubo metade do caminho, e ouço o bosque quando canta
Por isso sou metade do caminho, complete a frase enquanto dança
Um rio correndo para qualquer direção, ninguém nas praças
Ouvi o barman dizer teu nome, fingi não saber de quem falava
Dois viajantes no mesmo vagão, um conto confuso, o hiato, a falha
Ali, onde a rua se afunila e desce para o rio, um canto triste
Eu leio cartas e fantasio e procuro o lugar que não existe
(em pessoas imaginárias)

A Decisão de Salomão



Defina mesquinhez,
Irmão
Explique podolatria,
Narciso
Traduza malandragem
Justifique hipocrisia
Argumente sobre os padres
Interrompa o voo dos homens
Discorra sobre os anjos
E seus desvios noturnos
Suas asas empoeiradas
Sob os ternos engomados
Elucide sobre regras:
De qual ilusão se cai primeiro?
Do engodo azul exposto
Na distante alegoria?
Ou desse feitiço interminável
Que faz do inferno um bom repouso
E de toda a vida
Um mesmo dia?

Salvador comemora 462 anos sem render homenagens a seu primeiro cidadão



Há algumas semanas, durante o lançamento de um livro sobre a mobilidade urbana em Salvador, o jornalista e escritor Sebastião Nery observou que Diogo Álvares Correia, o Caramuru, foi o primeiro brasileiro (sem esquecer os nativos, claro) urbano. O escritor ressaltou ainda, em tom irônico, que o português, provavelmente, inaugurou o circuito carnavalesco Barra - Ondina, só que em sentido inverso, ao se deslocar do bairro do Rio Vermelho até o Porto da Barra.

Quando Caramuru aportou em solo baiano, seja por acaso ou de caso pensado, talvez não tivesse a mínima ideia do quão importante seria sua influência para o futuro da nova terra. Vale lembrar que foi a ele que El Rey mandou procurar quando a expedição colonizadora de Tomé de Souza aportasse na Bahia com a finalidade de escolher um ponto seguro para erguer a capital-fortaleza: a cidade do Salvador na Bahia de todos os Santos.

Pouco antes da chegada de Tomé de Souza, o governante anterior, Pereira Coutinho, talvez por falta de tato e sociabilidade com os nativos acabou servindo-lhes de antepasto. Em suma: foi comido, com areia. A metrópole portuguesa não desejava o mesmo destino para os futuros mandatários e sabia que, para tanto, a diplomacia de Caramuru seria imprescindível.

A cidade foi erguida, com suas diferenças sociais e geográficas aliando-se de maneira assustadora. Nada mais expressivo que a divisão de Cidade Baixa e Cidade Alta para interpretar como funciona a sociedade baiana. É o básico: o de cima tende sempre a massacrar o de baixo com a mesma força com a qual as águas castigam o quebra-mar da marina da Avenida Contorno.

A cidade cresceu, diz-se civilizada, mas ainda não aprendeu a honrar seus heróis. Quem mais indicado para tornar-se o homem-símbolo desta terra em seu dia de homenagem senão seu primeiro cidadão? Caramuru ainda é uma figura folclórica da história do Brasil. Sua contribuição no auxílio à aproximação do português com os índios é pouco mencionada e nunca ganhou a dimensão histórica que merece.

Fica a dica deste baiano e também filho do Rio Vermelho, como nosso herói - pois chegou em solo baiano um português denominado Diogo Álvares, mas o homem que saiu do mar em farrapos e a partir desse fato mudou sua história, a história de uma cidade e ajudou a fundar esta nação foi o soteropolitano Caramuru: Hora de todo baiano, de nascimento ou de paixão, apontar seu bacamarte para o céu e saudar o primeiro baiano.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

BRT: será que vai colar?


Com palestra de Sebastião Nery e lançamento de livro sobre a história da mobilidade urbana da cidade, um novo sistema de transporte é apresentado: o BRT

O jornalista e escritor Sebastião Nery, 79, foi o orador convidado pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Salvador (Setps), para o coquetel de lançamento do livro “De cá pra lá em Salvador”, escrito para comemorar os 30 anos da entidade, pela jornalista Jaciara Santos.
O evento aconteceu na noite desta quinta-feira, 17, na Associação Comercial da Bahia, no Comércio. Além do lançamento da obra, o encontro serviu para a apresentação do BRT (Bus Rapid Transit), provável novo sistema de transporte urbano de Salvador.


BRT

Trata-se de um ônibus articulado (lembra os velhos sanfonados da empresa Ogunjá, que faziam parte do transporte urbano de Salvador na década de 1990) com capacidade maior que a dos veículos convencionais. É totalmente informatizado, possui poltronas confortáveis e atenção especial ao meio ambiente: estima-se que o BRT polui menos que os ônibus convencionais, além de poder rodar utilizando Biodiesel.
O sistema é utilizado em diversas cidades, incluindo as populosas Pequim (China) e Bogotá (Colômbia). No Brasil, a cidade de Curitiba já utiliza o BRT desde 1979.


Espanto, curiosidade e um motor fadado ao “naufrágio”

As pessoas que passavam pela rua estranharam “o bicho”, mas não deixaram de dar seus pitacos. O motorista Joselito Ferreira, 55, considera que “é sempre importante ter novas alternativas para o transporte público da cidade”, mas faz um alerta: “é preciso criar toda uma infraestrutura para esse ônibus, e se não cuidar dos alagamentos na cidade, na época das chuvas, ele vai ‘morrer’ no meio da viagem, principalmente porque o motor fica na parte de baixo”, diz. O motor do BRT fica a meio metro do chão.

O taxista Otavio Rodrigues, 35, diz utilizar muito pouco os serviços públicos de transporte da cidade, mas acredita que a vida no trânsito será facilitada com a chegada de novas alternativas. “A solução é investir pesado desse jeito. Não adianta prometer, como no caso do metrô e não mostrar nada. Agora estou vendo uma realidade em minha frente”, diz.
Para o ambulante Éder Souza, 27, o pleno funcionamento desse serviço, - que só começará a rodar em Salvador a partir de 2013, durante a Copa das Confederações, evento que antecede a Copa do Mundo, que ocorrerá no ano seguinte -, depende da melhoria das vias da cidade e do zelo por parte das autoridades e da própria população. “Não adiantar oferecer esse tipo de benefício se o povo e o governo não ajudarem a manter. Sem cuidado, meu amigo, não vinga.”, completa.

Segundo o motorista Damião Marques, 45, o BRT é a melhor ideia para o transporte público da cidade. “É um veiculo que parece seguro, pelo que ouvi é todo informatizado, e além de tudo é bonito. Adoraria guiar um desses um dia. Resta esperar e torcer para que funcione,” conclui.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Velhas Virgens e Fridha movimentaram a última noite do Palco do Rock em Piatã



Para quem não tinha a menor intenção de cair na gandaia na avenida, nem tampouco hibernar entre quatro paredes, o Palco do Rock, evento alternativo que resiste há 17 anos no coqueiral da praia de Piatã foi a solução adequada. Foram quatro dias de festa, loucura e muita atitude rock and roll.

A banda paulista Velhas Virgens, comandada pelo “galanteador” Paulão de Carvalho foi a convidada para encerrar a última noite do evento. Abusando de frases fortes como “queremos boceta!“, “ninguém beija como as lésbicas!” e “abre essas pernas” esta decana do rock boca-suja levantou poeira na orla de Salvador.

Auxiliado pela performance sensual da cantora Juliana Kosso, que se autodenominava “a maior puta dos puteiros de São Paulo a Jundiaí”, e que vibrava quando o público repetia o “carinho”, Paulão tomava conta da platéia como uma dominatrix controla seu escravo. A luxúria imperava em Piatã em situações que corariam a face do próprio Baco.


Fridha

Grande surpresa dessa noite, a banda baiana Fridha, do alto de seus quatro anos de existência esbanjava talento e disposição no palco. A banda, que une o peso do rock and roll a letras politizadas parecia estar diante de um público cativo e não deixou seus “foliões” na mão. Devido ao atraso da atração seguinte, Christiano, Uilton e companhia incendiaram jovens e velhos que pulavam sem cessar no coqueiral lotado.

Se a questão é peso, não é possível encerrar qualquer relato sobre a terça-feira de carnarock em Piatã sem mencionar os competentes músicos da Trampa. A banda do Distrito Federal parecia estar jogando em casa e fez baianos e turistas voltarem ao estado mais puro da existência: o primitivo. Com a batida seca e as letras engajadas tanto os brasilienses quanto os baianos da Fridha mostraram que rock é muito mais que camisetas coloridas e dedos em riste. Rock é também e, sobretudo ATITUDE!

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Claudinha negligencia povão e toma vaia histórica na Barra

Essa notícia parece meio deslocada (e é, pois aconteceu durante o carnaval... quase no ano passado), mas lá vai...


Exatamente às 22h30 da noite desta sexta-feira, 4, enquanto o asfalto do circuito Dodô (Barra-Ondina) fervilhava por baixo dos tênis ensopados de cerveja, chuva e suor dos foliões de toda parte do planeta, a banda e o encanto da loira mais sapeca da Bahia tomavam conta, podia-se dizer até que dominavam a massa entorpecida naquela região de Salvador. Mas este relato não está ainda de acordo com verdade. Não totalmente.

Claudinha abusou do poder olímpico que lhe é conferido cada vez que desafia o céu naquele caminhão anabolizado chamado Trio Elétrico. Na segunda metade do trajeto, que compreende desde o Farol da Barra até as praias calmas e de águas quentes de Ondina, mais especificamente no trecho conhecido como “Morro do Gato”, ainda na Barra, a loira apostou alto em seu carisma e caiu do cavalo.

Enquanto dedicava todo seu encanto -indiscutível-, para o badalado e milionário camarote da cerveja Skol, a cantora foi “diva” demais e perdeu o controle de seu rebanho. A começar pelo ato falho de trocar o nome da panicat Nicole Bahls pelo de Dani Bolina. Mas até aí tudo bem. Para a maioria da população tanto faz saber ou não o nome daquelas moças de corpos esculturais, contanto que elas se mantenham saltitantes e com pouca roupa.

Mas, de algum modo, este lapso que poderia ser cometido por qualquer um, ainda mais por alguém que havia puxado um bloco por mais de 3 horas, mexeu com a moça. Talvez tentando se desculpar pelo engano, Cláudia cometeu a gafe definitiva: quebrando o protocolo “obrigatório” informal dos artistas que passam pelo “Morro do Gato”, ela desprezou a massa cansada, suada e descamisada do lado pobre da rua em favor das pessoas do citado camarote. Foi a conta.


Vaias no atacado

Ao término da última música na passarela do nicho da cervejaria Cláudia retornou ao trio e tentou puxar mais um sucesso quando, de um pequeno camarote situado bem em frente, o Via Folia, a moça escutou os primeiros apupos. E a coisa tomou conta da multidão. Parecia que a menina tinha cometido a grande heresia de sua vida. Mas Claudinha desprezou também o poder contagiante de uma vaia e tratou a coisa como fato isolado. Errou de novo, e feio.

A “pipoca”, já revoltada com a falta de carinho por parte da moça que não voltou os olhos para o lado feio e pobre da Barra por um instante sequer, repercutiu a vaia. A desgraça estava feita. Cláudia, talvez ainda sem acreditar apelou para o truque mais antigo dos puxadores de trio de Soterópolis:

- Cadê a torcida do meu Bahia? Disse ela.
- Aêee! Respondeu a massa de cá.

E então se ouviram os primeiros versos do hino tricolor. A fera popular parecia domada. Qual nada. Bastou a primeira estrofe acabar e a galera já agia como torcida organizada a escarnecer um adversário figadal.

- uhhh! E mais:
- Ivete! Ivete! Ivete!

Foi a gota!


Batalha perdida

A menina tinha perdido o rebolado. Agora era fogo contra fogo e ela possuía um arsenal de respeito. A cada tom elevado pelas vaias sua banda aumentava a intensidade da música que, àquela altura não se sabia mais qual era. Em um dado momento, até o hino do Vitória foi usado para tentar acalmar os ânimos e nada. O povo queria sangue. E teve.

A menina estava acuada. Ora vaiavam, ora chamavam por sua colega de profissão, ora utilizavam os dois artifícios em conjunto. O trio seguiu em alta velocidade e sumiu na primeira curva. De longe ainda se ouviam os repiques dos percussionistas que a esta hora já deviam estar com as palmas das mãos em carne viva de tanto estapear as peles dos tambores.

Vale lembrar que, cerca de uma hora antes, Ivete Sangalo, que agora era aclamada em missa de corpo ausente, havia parado por cerca de vinte minutos no local, claro que aí entra o mercado publicitário e a guerra das marcas de bebidas, mas o fato é que a moça dispensou carinhos para o povo e esse retribuiu apaixonado. Coisa que grandes, médios e descartáveis artistas fazem há anos e que repetiram essa noite, nem sempre por amor, mas por sabedoria e esperteza. Eles sabem de onde vem sua fama e para quem devem ser dedicadas as canções.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Pseudo-Poema sujo de luz



Sumi!
Confesso.
Mas, quando decidi voltar,
Não te vi,
Nem a tua íris, bela borboleta.
Para onde os ventos te levaram?

Aquela mulher me cativou
Sem fazer nada
Não tendo culpa de nada
Pode sumir quando quiser

Sei que ela sabia que eu
Voltaria ao velho lar.
E mesmo assim
Me convidou, novamente,
Para dançar na luz,
Na rede,
A minha Rosa,
A minha sede

#ERA (O retorno ao poema no #diadapoesia)

A moça do élitro multicor



Hoje te vi entre dunas
E voando
Sobre as águas, no Rio Vermelho
Vejo-te, aliás
Em toda sombra de pedra
Nos campos
E, eventualmente
Nas flores
Onde buscas matéria-prima
Pro teu mel

De volta à prancheta...
Aliás, não era sua vida
Ali embaixo
Entre números e medidas
Escapando?

#ERA (O retorno ao poema no #diadapoesia)

Cañas! Cañas! Cañas!


Com muito carisma e seu inconfundível timbre retrô, a moça faz amor com a plateia a cada canção interpretada

Se tem uma coisa que precisa ser observada quando alguém arrisca subir num palco para cantar rock ou qualquer mistura bacana de MPB, jazz ou R&B, envolvendo riffs encorpados e a paixão do espectador, é a tal da atitude. Termo batido, fora de moda desde os anos de 1980. O tal do “faça você mesmo”. Aquilo que alguns juravam ser coisa de quem tem colhão.

Bem, não espere nada diferente disso [exceto as tais glândulas] vindo de uma moça chamada Ana Cañas. Tá certo que muitos conheceram a “Ana intérprete” em temas de novelas e programas-tributos na TV aberta. Mas sou capaz de apostar que o melhor se esconde em seu lado B. Aquela coisa que se costuma deixar escondidinha, no fundo do armário. Aquele beijo velado na prima ou o amor reprimido que se dedica à primeira professora.

Prestes a lançar seu terceiro álbum, a menina paulistana nem precisa fazer tanta força para mostrar o carinho pelo que faz. Novamente em palcos baianos, e pela segunda vez no Festival de Verão de Salvador, Ana mantém um caso de amor incondicional com o público, e a cidade parece exercer certa influência em sua relação com os fãs. “A Bahia sempre me deixa lisonjeada. É uma terra especial. Eu viajo muito, por vários estados, mas tem coisas que eu só encontro aqui: o céu, o sol, a brisa e os sorrisos. Aqui tem uma coisa especial. Uma mágica. Um amor gratuito que me dá”, revela.

O marfim do rosto e o carmim da boca escondem fome e vontade. Uma volúpia capaz de dilacerar o peito em segundos. Ana é o amor acelerado e cru, distribuído em dose única, intensa e constante. É o beijo que antecede o lábio a ser rasgado a dentadas. E consegue ser doce como o líquido vermelho-sangue do copo que lhe acompanha por toda a apresentação. Companheiro de cada canção, o recipiente malicioso lhe pregou uma peça, fazendo-a tropeçar logo na entrada do palco. A moça tirou de letra. Nem disfarçou e seguiu divina.

Ana trava uma batalha interminável com seus sentimentos a cada música e leva o público a participar de sua dor, alegria ou desaforo com a cumplicidade de um irmão. E nesse clima de exorcismo existencial, a menina sapeca apronta uma atrás da outra, culminando num rompante incestuoso com os fraternais súditos que se amassam três metros abaixo.

A criança entreabre sua alma e ama cada um de seus já consanguíneos seguidores. A canção acaba e Ana sorri, doce como o cheiro do batom em seus lábios. Sim, ela incita divagações diversas. Não é uma provocação barata, mas algo que lhe sai involuntário, nato, como o suor da vítima futura que se esconde no alto para fugir de seus algozes.

A atmosfera daquele lugar, que durante todo o ano serve de estábulo, agora cheirava a flor. Vermelha e distante, mas uma flor. Como na mítica Babel, ela causava confusão e tentava meninos e meninas:

- Caramba, como ela é sensual! Dizia um rapazola mais afoito. “Linda mesmo!”, completava.

- Se ela inventa de pular aqui, eu agarro e não largo mais. Posso até apanhar de você (referindo-se à amiga ao lado) ou dela, mas volto para casa com aquele batom em mim, grudado. Confessava uma garota de óculos pretos e colete jeans.

Ana não pode ouvir. Nem o rapaz extasiado, tampouco a mocinha empolgada que, certamente, terá dificuldades para se explicar na volta para casa. São pernambucanas, se esta memória cansada não se enganou. Lindas meninas de All Star listrados.

No palco, Ana morria de amor mais uma vez cantando Chuckberry Fields Forever. Ela não pára! Deus, que diabo há nesta mulher!

Sobre o poder que sua presença causa nas pessoas, sua entrega e “nudez” a cada interpretação, Ana admite viver como se fosse seu último cântico. “Eu não consigo viver a música de outra maneira. Para mim é como uma metáfora da vida. É sentir as letras e me largar. Sinto-me meio resistente aqui na Bahia, tentando romper um pouco com essa coisa de que só rola Axé, trazendo um pouco de rock, blues. O que importa é que o público estava lá. E nós fazemos [música] pra eles.”

Compositora, Ana Cañas parece arrancar de si cada gota de sangue e derramar em suas letras cada vez mais existenciais. “Eu exorcizo bastante através das letras, mais ainda nas novas. Hoje toquei quatro inéditas. E cada vez mais desperto esse meu exorcista, girando a cabecinha e tudo”, brinca. “A minha relação com música é isso que vocês viram. Não sei fazer diferente”, Conclui.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Monique Kessous: surpresa e delírio para ouvintes atentos e casais apaixonados



Era de se esperar que sorrisos descrentes, daqueles de canto de boca, brotassem assim que a moça com aparência de escultura em mármore subiu ao palco. Os comentários não se referiam à pequena estatura, nem a algum suposto defeito, óbvio, já que beleza não lhe faltava. A imagem era de um Elemental que se movia de um lado para o outro, como num bosque iluminado. Era, sem dúvida, um “Buonarroti” que a Providência permitiu que ganhasse vida.

A descrença aparente se dava pela suspeita de que altas e belas notas não pudessem emanar daquela criatura tão delicada. Creio que a julgaram apenas pelos timbres amenos de seu “boa noite, Salvador!”. Foi uma péssima avaliação, e só viram, com certeza, a doçura inquestionável. Enganaram-se todos, felizmente.

Bastou a carioca Monique Kessous descerrar os lábios para a paixão inundar a Arena Maurício de Nassau, no Festival de Verão de Salvador, no último sábado, 4. Uma voz límpida, enérgica e vibrante tomou conta do lugar, e sem deixar espaço para mais nada, a menina revelou-se sereia e encantou a plateia. Caminho sem volta para uma assistência atônita. Na metade da primeira música já era possível notar casais enlaçando mãos e bêbados no auge da felicidade tentando acompanhar o refrão.

Cada uma das quatro cantoras que se apresentaram naquele sábado, na Arena, teve um público diferenciado. Claro que isso se deve muito à rotatividade de um festival com tantos palcos (seis no total) e tantas alternativas. Com certeza, Monique Kessous encontrou o público mais desavisado desde que os Novos Baianos se apresentaram no Teatro Vila Velha em 1969. E saiu-se tão bem que é vergonhoso notar em seu trabalho atual que ela é assim mesmo, sublime. Fomos todos pegos de calça curta, e reclamações não serão aceitas, apenas aplausos.



O talento vem de casa


Surpresa, aliás, faz parte da vida dessa artista que, além de cantar, trata com carinho e reverência instrumentos de corda e percussão. “Prefiro não ser chamada de multi-instrumentista”, disse certa vez em um programa de TV.

Para a mãe, Shirley Shcolnik, de onde a moça herdou talento e beleza, (aliás, méritos para essa família musical, que além das moças teve a influência do pai, violonista, e conta com o talento do irmão Denny, exímio artífice das seis cordas.) como se amparada pela sempre afirmativa “Modinha para Gabriela” de Caymmi, apenas certezas. “Nossa família sempre foi ligada à música. Soube que a Monique seria talentosa desde muito cedo. A certeza veio aos nove anos, num festival de colégio, quando uma professora destacou seu talento no meio de tantos alunos”, disse feliz.

Talento comprovado, a moça, que pela primeira vez se apresentou em palcos baianos, exalava felicidade com a recepção calorosa do público. “Achei incrível tocar aqui. Estou muito encantada com todos vocês, o público foi perfeito. E essa diversidade característica da Bahia me deixou muito feliz. Estréia perfeita!”, confessou.



A intérprete e a compositora


Apesar de estar correndo o Brasil com um CD quase todo autoral, Monique Kessous não abriu mão de seu lado intérprete no Festival. Dando caras novas a canções consagradas como “Disritmia”, de Martinho da Vila, “Sonhos” de Peninha, e uma versão com bastante suingue e sensualidade para “Bloco do Prazer”, de Morais Moreira e Fausto Nilo, a menina já não confundia o público que pedia mais. E ela dava.

Sua versão cheia de intimidade para “Qual é, baiana?”, de Caetano marcou um dos momentos de êxtase do show. “Pensei com muito carinho nas versões para a apresentação de hoje. Até mesmo porque é um Festival e isso sempre dá uma animada nas pessoas. E festival precisa ser uma coisa ‘pra cima’, afinal, ninguém quer ficar o tempo todo chorando a dor de cotovelo do amor perdido”, brinca, citando um tema recorrente em suas letras.

Veja o videoclipe da canção "FRIO"

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Márcio Mello e seu Bizarro Móvel agitam a noite no Rio Vermelho



Para quem não está afim, não curte, ou simplesmente não pode ir ao Festival de Verão de Salvador na noite desta sexta-feira, 4, não teve como se queixar de que perdeu a balada. A noite na orla da cidade, por exemplo, sempre reserva aos “alternativos”, “undergrounds” e avessos à cultura dominante “frutas diversas” e “salgadinhos variados”.

Uma espécie de circuito off–Broadway em plena Salvador. Algo que sempre esteve ali, mas alguns não queriam ver e outros são apenas mal informados.

Caso emblemático é a “cena boêmia” da região do Rio Vermelho. Em “canais” como o Boteco do Zé, Borracharia e Varanda do Sesi a música não parou de rolar, e deve manter a pegada durante o carnaval e após a quarta-feira de cinzas.

Falo de grupos de samba de raiz, artistas regionais, música étnica, trovadores solitários, punks de última hora e qualquer manifestação musical que se possa imaginar fora do mainstream. Entenda como lugares onde a expressão “tire o pé do chão” não faz sentido algum a não ser que faça parte de alguma letra de forró tradicional, baião ou similares.



O Bizarro Móvel

Para o engenheiro eletricista J. Campos abriu-se um universo novo. “Conheço vários ‘points’ de shows na cidade, mas não vinha ao Rio Vermelho faz tempo. Não sabia que a coisa aqui ainda pulsava dessa maneira”. Enquanto o rapaz concluía seu comentário, um burburinho chamava atenção logo adiante.

Uma caminhonete se aproximava, e recoberta por grossos arcos de metal estacionava próximo ao acarajé da Dinha.

Em cima, três homens desmontando a carroceria, carregando caixas, instrumentos... era um palco móvel, um pequeno tablado para, no máximo, 3 ou 4 pessoas, mas com uma boa estrutura para a proposta. “Eles fazem sempre isso por aqui, também têm um trabalho de apresentação de bandas novas que é muito legal.”, diz Herbert Guimarães, um tatuador badalado no local. Enquanto o palco era montado, dez ou doze pessoas o cumprimentaram de passagem. Mulheres em sua maioria.

O show é do cantor e compositor Márcio Mello, conhecido na Bahia como o grande expoente do rock alternativo e no resto do país como autor de sucessos como “Nobre Vagabundo”, gravado por Daniela Mercury, e “Esnoba” que estourou com a banda Moinho. Era isso. Acompanhado por mais dois músicos, Márcio solapou de cara oito canções, e deixou seu já desnecessário cartão de visitas para uma plateia extasiada, no Largo de Santana, atrás da igreja homônima, no Rio Vermelho. Ele mandava no pedaço.



Rock para todos

“Isso é o que eu chamo de Power Trio! É uma coisa visceral. Preciso ir até lá!”, exclamava Campos enquanto pedia liberação da esposa para cair na dança. A dança, aliás, é um caso à parte no rock alternativo.

É uma mistura de saltos e braçadas aparentemente avulsas, mas, acreditem, é um tipo de coreografia, como a briga de cães e gatos em sua casa. Enquanto você acha que estão se matando, os movimentos são meticulosamente executados para o erro. Algo como a capoeira, embora sem a mesma graça. Mesmo assim é muito interessante.

Márcio Mello mostrou que o Rio Vermelho é sua casa. Eis o Caramurú reencarnado, socando a pólvora e fazendo sua carabina cuspir fogo na noite soteropolitana. Vale ressaltar que, ao mesmo tempo em que se apresentava, o cantor participava de um programa de TV, divulgava e doava seu mais recente CD, o “Ao Vivo, No Rio Vermelho”, que traz a seguinte mensagem na contracapa: “demo promocional. Venda ou passe”. Ou seja, se não gostou, caro amigo, deixe que outra pessoa tenha a chance de tecer opinião sobre o disco.



Parou por quê?

As pessoas – melhor, as mocinhas e senhoras presentes -, não tinham a menor intenção de deixar o cantor parar. Há testemunhas de que ele até tentou, mas para cada riff e refrão entoado uma histeria quase beatlemaníaca tomava conta do Largo de Santana. Alguns juravam que as paredes da pequena ermida balançavam no ritmo de Márcio.

Parecia que daquele lado da cidade ninguém tinha a mínima ideia de que em uma parte remota de Salvador 40 mil pessoas viviam outra realidade musical, no Festival de Verão.



Fim de festa

Saldo positivo. A música teve seu momento. A tietagem teve seu momento, e Márcio desceu de seu “Bizarro Móvel” para receber os louros, como um maratonista que, embora fatigado pelo esforço, mantém no rosto o sorriso de quem sabe que cumpriu seu dever. Educado, sob aquela imagem de cara durão, fez questão de girar entre as mesas cumprimentando os presentes. Estava entre amigos.

Enganam-se os adeptos da teoria de que Salvador não comporta estilos aparentemente incompatíveis. O Rio Vermelho, mais uma vez, mostra que diversidade cultural é a marca dessa terra. Bastou Márcio Mello baixar o som para que ouvidos atentos percebessem a fauna musical daquela área. Uma banda tocava um ritmo afro, sensual e envolvente, há alguns metros dali, enquanto jovens roqueiros, inspirados pela magia do local faziam sua festa particular em frente à barbearia mais famosa do bairro.

A noite se encaminhava para um final agradável e as pessoas não arredavam o pé da praça. Sim, os poetas estavam certos, ela pertence ao povo, como também o céu estrelado da velha Bahia pertence às novíssimas meninas-aviões e aos relutantes condoreiros que passam mercando sua poesia e outros entorpecentes. O Rio Vermelho pertencia aos amantes àquela hora.
Ao fundo, como em um mantra, que, por força do hábito teima em ser repetitivo, se ouvia, sabe-se lá vindo de onde: “... e o palhaço o que é que ele é?”. Enquanto de outro canto, também desconhecido, respondiam, “é ladrão de mulher!”.


(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

20 de novembro: Porque devemos comemorar


Em 20 de novembro de 1695, o último foco de resistência foi vencido e Zumbi, o general negro e rei de Palmares caiu sob o jugo do bandeirante Domingos Jorge Velho. Mas uma batalha perdida nem sempre significa que a luta terminou. Hoje a data serve de lembrança, aviso e estímulo às novas gerações.

Muito se avançou no que se refere à igualdade racial no país. Fato. No entanto, há os que ainda se opõem às políticas de reparação, como as cotas específicas nas universidades. Ora, uma população alijada de seus direitos por séculos e que, mesmo depois de uma libertação física, ainda sofreu e sofre diariamente com a incerteza social, a desigualdade econômica e cultural tem motivos de sobra para desconfiar também.

Ainda não é seguro dizer que os olhares atravessados se extinguiram. Ainda há muito que se conquistar. Daí vem a importância desse dia 20 de novembro. Mas como uma data que, a priori, lembra uma derrota da raça pode ser motivo de orgulho? Talvez pelo seu caráter simbólico, que transcende o resultado que as reduções históricas dão àquela derrota em Palmares, no século 17.

Por não se tratar de uma derrota covarde, e sim de um ato de resistência. Aliás, o povo negro não tem feito outra coisa desde que chegou às Américas senão resistir. Seja correndo pela vida nas capoeiras, seja se esgueirando nas ruas das grandes cidades. É a razão maior de sua existência - resistir. E por isso devemos nos orgulhar e parar, ao menos nesse dia, com mais afinco, para refletir sobre nosso passado-presente guerreiro.

E ponderar, nesse meio-tempo, maneiras de tornar essa resistência mais efetiva, sem abrir mão da objetividade necessária que nos conduza, a todos, sem exceção, a uma convivência harmoniosa entre as etnias. Portanto, considero válida qualquer comemoração que leve em conta essa lembrança de bravura que só tem a acrescentar à nossa história.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Ode à vadiagem (mas sem esquecer da labuta)


Foto por Eduardo Freire

Sobre a palestra de Domenico de Masi em Salvador

Jorge Amado, no clássico “Dona Flor...” utiliza a expressão do título para descrever os melhores momentos do amor entre sua heroína, a mulata Flor e seu falecido marido Vadinho. Aqui o termo está aplicado a algo de igual nobreza: a criatividade no campo profissional.

Domenico de Masi, importante sociólogo italiano, veio a Salvador, na última quinta-feira, 4, para contar que descobriu algo que o brasileiro, em especial os baianos vêm praticando há muito tempo. Um fenômeno a que chamou de “ócio criativo”.

De Masi propõe que a vida seja encarada de acordo com o tripé “trabalho, estudo, diversão”. Explica, no entanto, que nada disso deve ser praticado em separado, mas como uma atividade conjunta.
Após extensa explanação onde se mostrou profundo conhecedor da história universal, o italiano, com um senso de humor afiadíssimo, se fazia entender até pelos já saturados com a tradução simultânea do Teatro Castro Alves que, mais uma vez deixou a desejar.

Imaginem que a tradutora, em determinado momento interrompeu sua função para responder a alguém sobre a localização do seu carro. Não é difícil supor que a moça estava aplicando o conceito de De Masi in loco.

24 horas sem tirar

De acordo com o sociólogo, seu conceito privilegia o trabalho intelectual, tirando o foco da estruturação mecanizada do trabalho. “Utilizando os conceitos do ócio criativo, a pessoa trabalhará 24 horas por dia, pois estará em constante processo de criação, fugindo assim da mecanização que encontramos hoje em dia em uma fabrica que ainda segue os velhos conceitos da Revolução Industrial”, explica.

Para exemplificar seu conceito De Masi se apropriou ainda de uma frase do escritor Joseph Conrad, que em um de seus livros deixou a seguinte dúvida no ar: “Como explicar à minha mulher que quando passo horas olhando pela janela estou trabalhando?”.

Bem humorado, Domenico De Masi comentou que via o trabalho nos altos escalões das grandes empresas como uma atividade homossexual. “Ora, são um bando de homens correndo de um lado para o outro, marcando longas reuniões onde nada é decidido de forma definitiva, e as mulheres são sempre excluídas desse universo.”, disse e prosseguiu, “Creio que sejam todos homossexuais, pois se amam tanto a ponto de excluir as moças desse lugar privilegiado, ou, no mínimo odeiam suas famílias, pois passam quase todo o tempo distante delas.”, concluiu.

“O homem nasceu para criar”

De Masi diz não se conformar que o homem, um ser feito para a arte, para a criação, e para o prazer, esteja restrito a um universo tão pequeno quanto um escritório, sendo que no mundo há tantas outras possibilidades para serem exploradas, e desabafa, “vivemos em um mundo em que a escola, a família, todos os pilares da sociedade estão programados para ensinar a trabalhar e não a viver, e isso está errado.”, falou.

De Masi ressaltou a necessidade de países emergentes como o Brasil olharem com mais carinho pelo turismo. Disse que um país com essa vocação para a diversão não pode estar restrito à economia dura e que aprisiona o profissional.

O italiano concluiu com uma lista de previsões para os próximos dez anos que passa pela total libertação da mulher tanto no campo profissional quanto afetivo, da efetivação do que chamou de “teletrabalho”, que seria a atividade laboral sendo executada de qualquer lugar, e não apenas de um ponto fixo cercado por quatro paredes.

É possível que nosso herói, após o cansativo trabalho de falar a uma platéia composta em sua maioria por gerentes e diretores de empresas “caretas” e segundo o seu conceito, ultrapassadas, tenha dedicado o resto do final de semana a uma visita técnica às praias baianas.

E, quem sabe, estando lá, munido de sua camisa florida, de água de coco fresca e da companhia de uma bela baiana a ideia para um novo livro apareça. Quem sabe novos conceitos. A Bahia entende disso, Domenico. Como chama mesmo? Ócio criativo? Deixa que eu chuto!

Em tempo:

Domenico de Masi é professor de Sociologia do Trabalho na Universidade La Sapienza de Roma; Fundador e diretor científico da S3 Studium SRL, uma sociedade de consultoria, pesquisa e formação em Comunicação e Presidente da Fundação Ravello.


(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

O adeus de Ronaldo


Confira a trajetória do craque dentro e fora dos gramados

O Ronaldo, jogador excepcional, despediu-se dos campos há pouco mais de cinco anos. Pelo menos o seu futebol se despediu nessa época. O homem que entrou em campo, já desacreditado, nos gramados alemães em 2006 já não era o mesmo atleta de anos anteriores. Tampouco era o símbolo da superação humana que estapeou o mundo (eu, inclusive) com luvas de pelica com a surpreendente recuperação durante a copa do oriente (Coreia e Japão).

Na coletiva de ontem (14) o que se viu foi a despedida de seu último esforço para se manter em uma zona de conforto que, segundo o ex-treinador Carlos Alberto Parreira, “ele necessita para viver!”. Segundo o ex-técnico da seleção, Ronaldo precisa ser acarinhado e paparicado o tempo todo para estar feliz. Quem não precisa né?

Em seu discurso de ‘despedida’, o astro culpou um determinado problema de saúde (hipotireoidismo), uma enfermidade que segundo o jogador não poderia ser tratada com ele em atividade, porque se trataria de doping. As duas declarações foram rechaçadas no Jornal Nacional horas depois.

A 1ª por uma médica, afirmando que apenas o hipotireoidismo não seria capaz de tamanho aumento de peso. Dando a entender que se tratava mais de descuido de Ronaldo que da doença. É preciso lembrar que o jogador é conhecido por ser um glutão contumaz. Além disso, fuma e bebe com frequência.

A 2ª afirmação foi descartada por uma autoridade da medicina esportiva, que deixou claro que a substância necessária para o tratamento da enfermidade não faz parte do catálogo de medicamentos proibidos. Mas, como bom garoto-propaganda, Ronaldo conseguiu comover e convencer. E nesse mundo midiático, é o que vale. O que fica. Virou verdade.



Futebol

Desde o Campeonato Brasileiro de 1993, com a histórica atuação contra o Bahia, quando marcou 5 gols, culminando na célebre roubada de bola do goleiro uruguaio Rodolfo Rodrigues que lhe rendeu convocação para a copa dos EUA no ano seguinte, até sua melancólica despedida do futebol, o craque viveu entre crise e sucesso, como aliás, todo grande ícone.

Em ascensão meteórica, o jogador mal começou a brilhar no Cruzeiro e caiu nas graças do técnico Parreira e foi levado para a copa de 1994. Verdade que se limitou a vibrar do banco de reservas, mas a convocação e a experiência no mundial já lhe renderam um contrato milionário com o PSV da Holanda no mesmo ano, seguindo os passos do ídolo brasileiro do momento, Romário.

Ainda seguindo as pegadas do baixinho, Ronaldo foi parar no Barcelona, onde brilhou mais que todo o ouro asteca levado por Cortez da América para a Espanha. Rei da Catalunha, Ronaldo seguiu sua brilhante carreira.

Copa da França

O Brasil buscava o penta na França em 1998, tinha uma boa seleção, e com alguma facilidade (exceto na semifinal com a Holanda) conseguiu chegar à final do torneio. Ronaldo voltaria a ser o centro das atenções, só que dessa vez por um fato desagradável: horas antes da partida contra os donos da casa o jogador foi levado às pressas para um hospital em Paris. Segundo informações, até hoje truncadas, o jogador passara mal durante a noite, tendo inclusive convulsões, e não estaria em condições de jogar.

Antes da partida, com o atacante Edmundo escalado para começar jogando, Ronaldo decidiu partir para o sacrifício e pediu para entrar. A Seleção não jogou tudo que sabia e podia, além disso, os jogadores esqueceram-se do jogo e passaram a vigiar Ronaldo pelo campo. Resultado: o Brasil perdeu a copa sem esboçar qualquer reação.



Inter de Milão e o joelho

Transferido para a Internazionale de Milão Ronaldo apresentava o melhor de sua forma no, até então, maior campeonato de futebol do planeta. Fora aclamado ”Fenômeno” pela espalhafatosa imprensa italiana, vivia uma eterna lua de mel dentro e fora dos gramados quando, em uma jogada corriqueira rompeu os ligamentos do joelho. Era o fim. O craque estava acabado para o futebol. Não se falava de outra coisa.

O retorno espetacular e o inferno no Real Madrid e no Milan

Após meses de recuperação, quase por milagre, Ronaldo volta aos campos convocado pelo então técnico da seleção brasileira, Luís Felipe Scolari, e desacreditado por torcedores e imprensa do mundo inteiro, o jogador tem um desempenho extraordinário na Copa de 2002, traz o pentacampeonato e se torna, definitivamente, um mito.

Magoado com a imprensa e a torcida italiana, Ronaldinho se transfere para o Real Madrid com a moral elevada e com mais um título (o 3º) de melhor jogador do planeta na sacola.

A vida do craque em solo espanhol seguiu com altos e baixos. Bem nas primeiras temporadas, após dois anos de Espanha os problemas com o excesso de peso, as farras e as contusões selaram o destino do atacante, que se transferiu para o Milan.

De volta a Milão, só que agora pelo rubro-negro, Ronaldo não conseguiu repetir suas grandes atuações de anos anteriores. Passou mais tempo em recuperação que dentro de campo e, após 15 anos de Europa resolveu retornar ao Brasil.



Travestis e Corinthians

Em busca da antiga forma, o Fenômeno iniciou sua retomada ao futebol na Gávea, tentando junto a seu clube de coração, o Flamengo, recuperar seu futebol e prestígio. Entretanto, após se envolver em polêmica policial quando foi flagrado em um motel com 3 travestis, o jogador abandona os treinos no Rio, assina com o Corinthians, rompendo de forma irreparável com a torcida e segue sua vida.

No time paulista, que retornava honrosamente da segunda divisão, o jogador reencontrou carinho de fãs e torcedores, conquistou um campeonato paulista e uma Copa do Brasil e partiu com tudo para a Taça Libertadores da América, sonho antigo dos corintianos.



Decepção e fim de carreira

Após duas tentativas frustradas de ganhar a Libertadores, Ronaldo, Corinthians e torcida se desentendem. Com uma despedida melancólica o craque anunciou nesta segunda-feira, 14, que está deixando, definitivamente, os gramados. O eterno ídolo corintiano, Sócrates, costuma dizer que, geralmente, não é o jogador que abandona o futebol, mas o futebol que deixa o atleta. Segundo Ronaldo, seu corpo já não atendia aos comandos de seu cérebro. Então, só resta aplaudi-lo pelo esforço e parabenizá-lo pelas conquistas.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Identidade e atitude marcam show do Capital Inicial (no Festival de Verão 2011)



Rouco, em recuperação e quase afônico, embora bastante determinado, Dinho Ouro Preto conduziu seus escudeiros Fê Lemos, Flávio Lemos, e Yves Passarell ao mais alto nível do que se convencionou chamar de “atitude rock and roll”.

Quase dois anos após o acidente “no cumprimento do dever” que quase o tirou dos palcos e da vida, o vocalista do Capital Inicial, no que tange ao vigor físico, parece totalmente recuperado. Salta de um lado a outro do palco de cerca de 30 metros com a mesma desenvoltura que tornou memorável cada apresentação ao vivo do grupo de quase três décadas de existência praticamente ininterrupta. (Sobre o acidente com Dinho Ouro Preto CLIQUE AQUI.)

Retomando sua origem de banda de garagem, o Capital incendiou a plateia. Dinho, literalmente, organizou o movimento e orientou o carnaval dos roqueiros presentes nesta primeira noite de festa no Parque de Exposições de Salvador. E nem a voz que em inúmeros momentos do show mostrou-se insuficiente, embora nunca vacilante, foi bastante para desfazer o encantamento do público que, como assistentes de mágico hipnotizadas, não precisou de meio acorde para se render aos encantos do grupo.

Antes do show, o cantor disse que “a banda está em seu momento mais maduro e que apesar de todo crescimento profissional a essência continua a mesma”. E no palco não se via outra coisa. Dinho não sabe ficar parado. E não deve, nem seu público permitiria. Esta noite, no Parque de Exposições, a expressão “tire os pés do chão!” teve seu ápice.

A plateia parecia sentir que a voz do ídolo ia falhar e, como um elefante de metal que sustenta papeis na ventania, não deixou em momento algum que as canções perdessem seu brilho. Uma emocionante prova de amor e cumplicidade entre o artista e seu público. Cantor e claque iam conduzindo em uníssono, como um casal feliz, cada um dos clássicos e as novas canções que emanavam daquele palco.

Para que voz? Ou melhor, por que uma só voz, se havia 35 mil gargantas dispostas, apaixonadas e cantando junto? Enquanto isso, do centro do palco, o cantor pedia “agora quero ver 70 mil mãos pro alto e todo mundo cantando junto!”. Nem precisava pedir. A massa encantada parecia antecipar o desejo e mantinha a sinergia.

Em tempo: quando perguntado sobre a influência do Capital para as bandas da nova geração, Dinho disse que “é evidente que existe a referência, e que considera normal que novas bandas sigam o exemplo”.

Alguns profissionais da imprensa interpretaram mal quando o vocalista respondeu sobre a febre das bandas ditas “coloridas”. Foi dito apenas que o Capital Inicial não se vê representado por essas bandas que devem possuir outros ícones e outras influências.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)