e com a palavra...

“Brigadeiro é um doce que não precisa de ovos”


Foto extraída do Portal da Metrópole

Salvador: Sebastião Néry foi o primeiro convidado de uma série de entrevistas com grandes personalidades da cultura brasileira

Humor cada vez mais apurado, senso crítico acima da média e a nítida sensação de que as histórias que formam a memória dos bastidores da política e da vida brasileira nas últimas décadas lhe foram confiadas em uma missão épica. Essas são marcas indeléveis do jornalista e escritor Sebastião Néry, 79. Ex-seminarista, ex-deputado federal, cassado durante a ditadura militar, este baiano de Jaguaquara guarda, com riqueza de detalhes, toda minúcia presenciada de local privilegiado em mais de 50 anos de profissão.

Com o olhar vívido da criança que não se cansa de correr pelas ruas, nem de empinar seu papagaio, mesmo diante das mais bruscas intempéries, o escritor parece viver com profundidade cada história que conta. Assim como os goleiros de futebol, Sebastião Néry parece contar com a sorte, que, acrescida de todo o seu talento, faz, como costuma dizer, com que a notícia quase sempre o encontre, e não o contrário.

Quieto, sentado, ouvindo longas explanações sobre suas aventuras na vida política brasileira e baiana desde os tempos de seminário até sua migração para o sudeste do país, Néry crê que nada em sua trajetória aconteceu ao acaso. Cada vez que era provocado pelo sagaz apresentador Mário Kertész, o sempre bem informado empresário Joaci Góes, ou a mordaz jornalista Eliane Cantanhêde, ele saía-se magnífico, contundente nas respostas, mas sem perder a graça em nenhum momento.

Defensor de suas idéias, e dono de uma língua ferina sem, em momento algum, ser leviano, Néry expressou suas opiniões a respeito de grandes vultos da política nacional, como Antonio Carlos Magalhães, a quem atribuiu a já conhecida habilidade de adaptação política sem limites, - chamada por Góes de ‘mimetismo político’ - sejam eles éticos ou morais, e o ex-presidente Getulio Vargas que, segundo informa, não fez, em toda sua trajetória política nada que não tivesse por finalidade o sucesso da nação brasileira.

É capaz de, em tempos de tantos elogios rasgados, atribuir, - sempre com bom humor, repito – a alcunha de egoísta e azarado, ou verdadeira ave de mau agouro, ao ex-presidente Lula; de chamar o prefeito de Salvador de ineficaz e o governador de inexistente, sem ofender, mas nunca deixando de manter-se firme na crítica.

No entanto, em meio a elogios, análises e previsões políticas, sobressai a verve irônica do escritor. Em rara lembrança da memória do Udenista Brigadeiro Eduardo Gomes, um dos maiores rivais de Getúlio, Néry saiu-se com essa:

O Brigadeiro era um homem de coragem. Leal aos seus princípios até o fim. Mas nunca um homem rude ou canalha. Era alto, bonito, e, em 1950 quase desbancou Getúlio, mas não era bom de voto, por isso não ganhou. E – virou-se para a platéia -, vocês sabem que foi em sua homenagem que foi criado o doce, o “negrinho”, não?

Pois é. Dizem que o Eduardo Gomes, durante a Revolta dos 18 do Forte, em 1922, foi gravemente ferido nos testículos. E como ele adorava comer “negrinhos” (brigadeiros), o doce foi rebatizado em sua homenagem. Vocês sabem que brigadeiro é um doce que não precisa de ovos, não é? Todos riram.

A entrevista com Sebastião Néry é o primeiro de muitos encontros com grandes personalidades mediados por Mário Kertész, da rádio Metrópole, e aconteceu no centro de convenções do hotel Fiesta, em Salvador.

Exorcizo leões porque preciso matar um demônio por dia!

Imagem por: Kmetros by Nuno Chambel


Exorcizo leões porque preciso matar um demônio por dia
Tenho o poder de zombar do tempo
Quando chega, bêbado, na boca da noite
Sou azul e tenho asas nos pés, mas vôo cego de manhã
E sei fantasiar de toalha na frente das visitas
Que riem tépidas, sem mexer os lábios

Eu finjo ter sono à noite para parecer normal
E ficar mais próximo de você, enquanto dorme
Desaprendi a voar na direção que te leva o vento
Troco uma realidade por meia ficção usada
Daquelas que vem com pipoca, alguma emoção
E um cartaz pintado à mão na porta do teatro vazio

Leio cartas, sou insone e fantasio com bares e ruas inóspitas
Não viajo, também por medo da estrada
Por isso roubo metade do caminho, e ouço o bosque quando canta
Por isso sou metade do caminho, complete a frase enquanto dança
Um rio correndo para qualquer direção, ninguém nas praças
Ouvi o barman dizer teu nome, fingi não saber de quem falava
Dois viajantes no mesmo vagão, um conto confuso, o hiato, a falha
Ali, onde a rua se afunila e desce para o rio, um canto triste
Eu leio cartas e fantasio e procuro o lugar que não existe
(em pessoas imaginárias)