e com a palavra...

Ode à vadiagem (mas sem esquecer da labuta)


Foto por Eduardo Freire

Sobre a palestra de Domenico de Masi em Salvador

Jorge Amado, no clássico “Dona Flor...” utiliza a expressão do título para descrever os melhores momentos do amor entre sua heroína, a mulata Flor e seu falecido marido Vadinho. Aqui o termo está aplicado a algo de igual nobreza: a criatividade no campo profissional.

Domenico de Masi, importante sociólogo italiano, veio a Salvador, na última quinta-feira, 4, para contar que descobriu algo que o brasileiro, em especial os baianos vêm praticando há muito tempo. Um fenômeno a que chamou de “ócio criativo”.

De Masi propõe que a vida seja encarada de acordo com o tripé “trabalho, estudo, diversão”. Explica, no entanto, que nada disso deve ser praticado em separado, mas como uma atividade conjunta.
Após extensa explanação onde se mostrou profundo conhecedor da história universal, o italiano, com um senso de humor afiadíssimo, se fazia entender até pelos já saturados com a tradução simultânea do Teatro Castro Alves que, mais uma vez deixou a desejar.

Imaginem que a tradutora, em determinado momento interrompeu sua função para responder a alguém sobre a localização do seu carro. Não é difícil supor que a moça estava aplicando o conceito de De Masi in loco.

24 horas sem tirar

De acordo com o sociólogo, seu conceito privilegia o trabalho intelectual, tirando o foco da estruturação mecanizada do trabalho. “Utilizando os conceitos do ócio criativo, a pessoa trabalhará 24 horas por dia, pois estará em constante processo de criação, fugindo assim da mecanização que encontramos hoje em dia em uma fabrica que ainda segue os velhos conceitos da Revolução Industrial”, explica.

Para exemplificar seu conceito De Masi se apropriou ainda de uma frase do escritor Joseph Conrad, que em um de seus livros deixou a seguinte dúvida no ar: “Como explicar à minha mulher que quando passo horas olhando pela janela estou trabalhando?”.

Bem humorado, Domenico De Masi comentou que via o trabalho nos altos escalões das grandes empresas como uma atividade homossexual. “Ora, são um bando de homens correndo de um lado para o outro, marcando longas reuniões onde nada é decidido de forma definitiva, e as mulheres são sempre excluídas desse universo.”, disse e prosseguiu, “Creio que sejam todos homossexuais, pois se amam tanto a ponto de excluir as moças desse lugar privilegiado, ou, no mínimo odeiam suas famílias, pois passam quase todo o tempo distante delas.”, concluiu.

“O homem nasceu para criar”

De Masi diz não se conformar que o homem, um ser feito para a arte, para a criação, e para o prazer, esteja restrito a um universo tão pequeno quanto um escritório, sendo que no mundo há tantas outras possibilidades para serem exploradas, e desabafa, “vivemos em um mundo em que a escola, a família, todos os pilares da sociedade estão programados para ensinar a trabalhar e não a viver, e isso está errado.”, falou.

De Masi ressaltou a necessidade de países emergentes como o Brasil olharem com mais carinho pelo turismo. Disse que um país com essa vocação para a diversão não pode estar restrito à economia dura e que aprisiona o profissional.

O italiano concluiu com uma lista de previsões para os próximos dez anos que passa pela total libertação da mulher tanto no campo profissional quanto afetivo, da efetivação do que chamou de “teletrabalho”, que seria a atividade laboral sendo executada de qualquer lugar, e não apenas de um ponto fixo cercado por quatro paredes.

É possível que nosso herói, após o cansativo trabalho de falar a uma platéia composta em sua maioria por gerentes e diretores de empresas “caretas” e segundo o seu conceito, ultrapassadas, tenha dedicado o resto do final de semana a uma visita técnica às praias baianas.

E, quem sabe, estando lá, munido de sua camisa florida, de água de coco fresca e da companhia de uma bela baiana a ideia para um novo livro apareça. Quem sabe novos conceitos. A Bahia entende disso, Domenico. Como chama mesmo? Ócio criativo? Deixa que eu chuto!

Em tempo:

Domenico de Masi é professor de Sociologia do Trabalho na Universidade La Sapienza de Roma; Fundador e diretor científico da S3 Studium SRL, uma sociedade de consultoria, pesquisa e formação em Comunicação e Presidente da Fundação Ravello.


(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

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