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Márcio Mello e seu Bizarro Móvel agitam a noite no Rio Vermelho



Para quem não está afim, não curte, ou simplesmente não pode ir ao Festival de Verão de Salvador na noite desta sexta-feira, 4, não teve como se queixar de que perdeu a balada. A noite na orla da cidade, por exemplo, sempre reserva aos “alternativos”, “undergrounds” e avessos à cultura dominante “frutas diversas” e “salgadinhos variados”.

Uma espécie de circuito off–Broadway em plena Salvador. Algo que sempre esteve ali, mas alguns não queriam ver e outros são apenas mal informados.

Caso emblemático é a “cena boêmia” da região do Rio Vermelho. Em “canais” como o Boteco do Zé, Borracharia e Varanda do Sesi a música não parou de rolar, e deve manter a pegada durante o carnaval e após a quarta-feira de cinzas.

Falo de grupos de samba de raiz, artistas regionais, música étnica, trovadores solitários, punks de última hora e qualquer manifestação musical que se possa imaginar fora do mainstream. Entenda como lugares onde a expressão “tire o pé do chão” não faz sentido algum a não ser que faça parte de alguma letra de forró tradicional, baião ou similares.



O Bizarro Móvel

Para o engenheiro eletricista J. Campos abriu-se um universo novo. “Conheço vários ‘points’ de shows na cidade, mas não vinha ao Rio Vermelho faz tempo. Não sabia que a coisa aqui ainda pulsava dessa maneira”. Enquanto o rapaz concluía seu comentário, um burburinho chamava atenção logo adiante.

Uma caminhonete se aproximava, e recoberta por grossos arcos de metal estacionava próximo ao acarajé da Dinha.

Em cima, três homens desmontando a carroceria, carregando caixas, instrumentos... era um palco móvel, um pequeno tablado para, no máximo, 3 ou 4 pessoas, mas com uma boa estrutura para a proposta. “Eles fazem sempre isso por aqui, também têm um trabalho de apresentação de bandas novas que é muito legal.”, diz Herbert Guimarães, um tatuador badalado no local. Enquanto o palco era montado, dez ou doze pessoas o cumprimentaram de passagem. Mulheres em sua maioria.

O show é do cantor e compositor Márcio Mello, conhecido na Bahia como o grande expoente do rock alternativo e no resto do país como autor de sucessos como “Nobre Vagabundo”, gravado por Daniela Mercury, e “Esnoba” que estourou com a banda Moinho. Era isso. Acompanhado por mais dois músicos, Márcio solapou de cara oito canções, e deixou seu já desnecessário cartão de visitas para uma plateia extasiada, no Largo de Santana, atrás da igreja homônima, no Rio Vermelho. Ele mandava no pedaço.



Rock para todos

“Isso é o que eu chamo de Power Trio! É uma coisa visceral. Preciso ir até lá!”, exclamava Campos enquanto pedia liberação da esposa para cair na dança. A dança, aliás, é um caso à parte no rock alternativo.

É uma mistura de saltos e braçadas aparentemente avulsas, mas, acreditem, é um tipo de coreografia, como a briga de cães e gatos em sua casa. Enquanto você acha que estão se matando, os movimentos são meticulosamente executados para o erro. Algo como a capoeira, embora sem a mesma graça. Mesmo assim é muito interessante.

Márcio Mello mostrou que o Rio Vermelho é sua casa. Eis o Caramurú reencarnado, socando a pólvora e fazendo sua carabina cuspir fogo na noite soteropolitana. Vale ressaltar que, ao mesmo tempo em que se apresentava, o cantor participava de um programa de TV, divulgava e doava seu mais recente CD, o “Ao Vivo, No Rio Vermelho”, que traz a seguinte mensagem na contracapa: “demo promocional. Venda ou passe”. Ou seja, se não gostou, caro amigo, deixe que outra pessoa tenha a chance de tecer opinião sobre o disco.



Parou por quê?

As pessoas – melhor, as mocinhas e senhoras presentes -, não tinham a menor intenção de deixar o cantor parar. Há testemunhas de que ele até tentou, mas para cada riff e refrão entoado uma histeria quase beatlemaníaca tomava conta do Largo de Santana. Alguns juravam que as paredes da pequena ermida balançavam no ritmo de Márcio.

Parecia que daquele lado da cidade ninguém tinha a mínima ideia de que em uma parte remota de Salvador 40 mil pessoas viviam outra realidade musical, no Festival de Verão.



Fim de festa

Saldo positivo. A música teve seu momento. A tietagem teve seu momento, e Márcio desceu de seu “Bizarro Móvel” para receber os louros, como um maratonista que, embora fatigado pelo esforço, mantém no rosto o sorriso de quem sabe que cumpriu seu dever. Educado, sob aquela imagem de cara durão, fez questão de girar entre as mesas cumprimentando os presentes. Estava entre amigos.

Enganam-se os adeptos da teoria de que Salvador não comporta estilos aparentemente incompatíveis. O Rio Vermelho, mais uma vez, mostra que diversidade cultural é a marca dessa terra. Bastou Márcio Mello baixar o som para que ouvidos atentos percebessem a fauna musical daquela área. Uma banda tocava um ritmo afro, sensual e envolvente, há alguns metros dali, enquanto jovens roqueiros, inspirados pela magia do local faziam sua festa particular em frente à barbearia mais famosa do bairro.

A noite se encaminhava para um final agradável e as pessoas não arredavam o pé da praça. Sim, os poetas estavam certos, ela pertence ao povo, como também o céu estrelado da velha Bahia pertence às novíssimas meninas-aviões e aos relutantes condoreiros que passam mercando sua poesia e outros entorpecentes. O Rio Vermelho pertencia aos amantes àquela hora.
Ao fundo, como em um mantra, que, por força do hábito teima em ser repetitivo, se ouvia, sabe-se lá vindo de onde: “... e o palhaço o que é que ele é?”. Enquanto de outro canto, também desconhecido, respondiam, “é ladrão de mulher!”.


(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

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