e com a palavra...

Cañas! Cañas! Cañas!


Com muito carisma e seu inconfundível timbre retrô, a moça faz amor com a plateia a cada canção interpretada

Se tem uma coisa que precisa ser observada quando alguém arrisca subir num palco para cantar rock ou qualquer mistura bacana de MPB, jazz ou R&B, envolvendo riffs encorpados e a paixão do espectador, é a tal da atitude. Termo batido, fora de moda desde os anos de 1980. O tal do “faça você mesmo”. Aquilo que alguns juravam ser coisa de quem tem colhão.

Bem, não espere nada diferente disso [exceto as tais glândulas] vindo de uma moça chamada Ana Cañas. Tá certo que muitos conheceram a “Ana intérprete” em temas de novelas e programas-tributos na TV aberta. Mas sou capaz de apostar que o melhor se esconde em seu lado B. Aquela coisa que se costuma deixar escondidinha, no fundo do armário. Aquele beijo velado na prima ou o amor reprimido que se dedica à primeira professora.

Prestes a lançar seu terceiro álbum, a menina paulistana nem precisa fazer tanta força para mostrar o carinho pelo que faz. Novamente em palcos baianos, e pela segunda vez no Festival de Verão de Salvador, Ana mantém um caso de amor incondicional com o público, e a cidade parece exercer certa influência em sua relação com os fãs. “A Bahia sempre me deixa lisonjeada. É uma terra especial. Eu viajo muito, por vários estados, mas tem coisas que eu só encontro aqui: o céu, o sol, a brisa e os sorrisos. Aqui tem uma coisa especial. Uma mágica. Um amor gratuito que me dá”, revela.

O marfim do rosto e o carmim da boca escondem fome e vontade. Uma volúpia capaz de dilacerar o peito em segundos. Ana é o amor acelerado e cru, distribuído em dose única, intensa e constante. É o beijo que antecede o lábio a ser rasgado a dentadas. E consegue ser doce como o líquido vermelho-sangue do copo que lhe acompanha por toda a apresentação. Companheiro de cada canção, o recipiente malicioso lhe pregou uma peça, fazendo-a tropeçar logo na entrada do palco. A moça tirou de letra. Nem disfarçou e seguiu divina.

Ana trava uma batalha interminável com seus sentimentos a cada música e leva o público a participar de sua dor, alegria ou desaforo com a cumplicidade de um irmão. E nesse clima de exorcismo existencial, a menina sapeca apronta uma atrás da outra, culminando num rompante incestuoso com os fraternais súditos que se amassam três metros abaixo.

A criança entreabre sua alma e ama cada um de seus já consanguíneos seguidores. A canção acaba e Ana sorri, doce como o cheiro do batom em seus lábios. Sim, ela incita divagações diversas. Não é uma provocação barata, mas algo que lhe sai involuntário, nato, como o suor da vítima futura que se esconde no alto para fugir de seus algozes.

A atmosfera daquele lugar, que durante todo o ano serve de estábulo, agora cheirava a flor. Vermelha e distante, mas uma flor. Como na mítica Babel, ela causava confusão e tentava meninos e meninas:

- Caramba, como ela é sensual! Dizia um rapazola mais afoito. “Linda mesmo!”, completava.

- Se ela inventa de pular aqui, eu agarro e não largo mais. Posso até apanhar de você (referindo-se à amiga ao lado) ou dela, mas volto para casa com aquele batom em mim, grudado. Confessava uma garota de óculos pretos e colete jeans.

Ana não pode ouvir. Nem o rapaz extasiado, tampouco a mocinha empolgada que, certamente, terá dificuldades para se explicar na volta para casa. São pernambucanas, se esta memória cansada não se enganou. Lindas meninas de All Star listrados.

No palco, Ana morria de amor mais uma vez cantando Chuckberry Fields Forever. Ela não pára! Deus, que diabo há nesta mulher!

Sobre o poder que sua presença causa nas pessoas, sua entrega e “nudez” a cada interpretação, Ana admite viver como se fosse seu último cântico. “Eu não consigo viver a música de outra maneira. Para mim é como uma metáfora da vida. É sentir as letras e me largar. Sinto-me meio resistente aqui na Bahia, tentando romper um pouco com essa coisa de que só rola Axé, trazendo um pouco de rock, blues. O que importa é que o público estava lá. E nós fazemos [música] pra eles.”

Compositora, Ana Cañas parece arrancar de si cada gota de sangue e derramar em suas letras cada vez mais existenciais. “Eu exorcizo bastante através das letras, mais ainda nas novas. Hoje toquei quatro inéditas. E cada vez mais desperto esse meu exorcista, girando a cabecinha e tudo”, brinca. “A minha relação com música é isso que vocês viram. Não sei fazer diferente”, Conclui.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

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