e com a palavra...

Cañas! Cañas! Cañas!


Com muito carisma e seu inconfundível timbre retrô, a moça faz amor com a plateia a cada canção interpretada

Se tem uma coisa que precisa ser observada quando alguém arrisca subir num palco para cantar rock ou qualquer mistura bacana de MPB, jazz ou R&B, envolvendo riffs encorpados e a paixão do espectador, é a tal da atitude. Termo batido, fora de moda desde os anos de 1980. O tal do “faça você mesmo”. Aquilo que alguns juravam ser coisa de quem tem colhão.

Bem, não espere nada diferente disso [exceto as tais glândulas] vindo de uma moça chamada Ana Cañas. Tá certo que muitos conheceram a “Ana intérprete” em temas de novelas e programas-tributos na TV aberta. Mas sou capaz de apostar que o melhor se esconde em seu lado B. Aquela coisa que se costuma deixar escondidinha, no fundo do armário. Aquele beijo velado na prima ou o amor reprimido que se dedica à primeira professora.

Prestes a lançar seu terceiro álbum, a menina paulistana nem precisa fazer tanta força para mostrar o carinho pelo que faz. Novamente em palcos baianos, e pela segunda vez no Festival de Verão de Salvador, Ana mantém um caso de amor incondicional com o público, e a cidade parece exercer certa influência em sua relação com os fãs. “A Bahia sempre me deixa lisonjeada. É uma terra especial. Eu viajo muito, por vários estados, mas tem coisas que eu só encontro aqui: o céu, o sol, a brisa e os sorrisos. Aqui tem uma coisa especial. Uma mágica. Um amor gratuito que me dá”, revela.

O marfim do rosto e o carmim da boca escondem fome e vontade. Uma volúpia capaz de dilacerar o peito em segundos. Ana é o amor acelerado e cru, distribuído em dose única, intensa e constante. É o beijo que antecede o lábio a ser rasgado a dentadas. E consegue ser doce como o líquido vermelho-sangue do copo que lhe acompanha por toda a apresentação. Companheiro de cada canção, o recipiente malicioso lhe pregou uma peça, fazendo-a tropeçar logo na entrada do palco. A moça tirou de letra. Nem disfarçou e seguiu divina.

Ana trava uma batalha interminável com seus sentimentos a cada música e leva o público a participar de sua dor, alegria ou desaforo com a cumplicidade de um irmão. E nesse clima de exorcismo existencial, a menina sapeca apronta uma atrás da outra, culminando num rompante incestuoso com os fraternais súditos que se amassam três metros abaixo.

A criança entreabre sua alma e ama cada um de seus já consanguíneos seguidores. A canção acaba e Ana sorri, doce como o cheiro do batom em seus lábios. Sim, ela incita divagações diversas. Não é uma provocação barata, mas algo que lhe sai involuntário, nato, como o suor da vítima futura que se esconde no alto para fugir de seus algozes.

A atmosfera daquele lugar, que durante todo o ano serve de estábulo, agora cheirava a flor. Vermelha e distante, mas uma flor. Como na mítica Babel, ela causava confusão e tentava meninos e meninas:

- Caramba, como ela é sensual! Dizia um rapazola mais afoito. “Linda mesmo!”, completava.

- Se ela inventa de pular aqui, eu agarro e não largo mais. Posso até apanhar de você (referindo-se à amiga ao lado) ou dela, mas volto para casa com aquele batom em mim, grudado. Confessava uma garota de óculos pretos e colete jeans.

Ana não pode ouvir. Nem o rapaz extasiado, tampouco a mocinha empolgada que, certamente, terá dificuldades para se explicar na volta para casa. São pernambucanas, se esta memória cansada não se enganou. Lindas meninas de All Star listrados.

No palco, Ana morria de amor mais uma vez cantando Chuckberry Fields Forever. Ela não pára! Deus, que diabo há nesta mulher!

Sobre o poder que sua presença causa nas pessoas, sua entrega e “nudez” a cada interpretação, Ana admite viver como se fosse seu último cântico. “Eu não consigo viver a música de outra maneira. Para mim é como uma metáfora da vida. É sentir as letras e me largar. Sinto-me meio resistente aqui na Bahia, tentando romper um pouco com essa coisa de que só rola Axé, trazendo um pouco de rock, blues. O que importa é que o público estava lá. E nós fazemos [música] pra eles.”

Compositora, Ana Cañas parece arrancar de si cada gota de sangue e derramar em suas letras cada vez mais existenciais. “Eu exorcizo bastante através das letras, mais ainda nas novas. Hoje toquei quatro inéditas. E cada vez mais desperto esse meu exorcista, girando a cabecinha e tudo”, brinca. “A minha relação com música é isso que vocês viram. Não sei fazer diferente”, Conclui.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Monique Kessous: surpresa e delírio para ouvintes atentos e casais apaixonados



Era de se esperar que sorrisos descrentes, daqueles de canto de boca, brotassem assim que a moça com aparência de escultura em mármore subiu ao palco. Os comentários não se referiam à pequena estatura, nem a algum suposto defeito, óbvio, já que beleza não lhe faltava. A imagem era de um Elemental que se movia de um lado para o outro, como num bosque iluminado. Era, sem dúvida, um “Buonarroti” que a Providência permitiu que ganhasse vida.

A descrença aparente se dava pela suspeita de que altas e belas notas não pudessem emanar daquela criatura tão delicada. Creio que a julgaram apenas pelos timbres amenos de seu “boa noite, Salvador!”. Foi uma péssima avaliação, e só viram, com certeza, a doçura inquestionável. Enganaram-se todos, felizmente.

Bastou a carioca Monique Kessous descerrar os lábios para a paixão inundar a Arena Maurício de Nassau, no Festival de Verão de Salvador, no último sábado, 4. Uma voz límpida, enérgica e vibrante tomou conta do lugar, e sem deixar espaço para mais nada, a menina revelou-se sereia e encantou a plateia. Caminho sem volta para uma assistência atônita. Na metade da primeira música já era possível notar casais enlaçando mãos e bêbados no auge da felicidade tentando acompanhar o refrão.

Cada uma das quatro cantoras que se apresentaram naquele sábado, na Arena, teve um público diferenciado. Claro que isso se deve muito à rotatividade de um festival com tantos palcos (seis no total) e tantas alternativas. Com certeza, Monique Kessous encontrou o público mais desavisado desde que os Novos Baianos se apresentaram no Teatro Vila Velha em 1969. E saiu-se tão bem que é vergonhoso notar em seu trabalho atual que ela é assim mesmo, sublime. Fomos todos pegos de calça curta, e reclamações não serão aceitas, apenas aplausos.



O talento vem de casa


Surpresa, aliás, faz parte da vida dessa artista que, além de cantar, trata com carinho e reverência instrumentos de corda e percussão. “Prefiro não ser chamada de multi-instrumentista”, disse certa vez em um programa de TV.

Para a mãe, Shirley Shcolnik, de onde a moça herdou talento e beleza, (aliás, méritos para essa família musical, que além das moças teve a influência do pai, violonista, e conta com o talento do irmão Denny, exímio artífice das seis cordas.) como se amparada pela sempre afirmativa “Modinha para Gabriela” de Caymmi, apenas certezas. “Nossa família sempre foi ligada à música. Soube que a Monique seria talentosa desde muito cedo. A certeza veio aos nove anos, num festival de colégio, quando uma professora destacou seu talento no meio de tantos alunos”, disse feliz.

Talento comprovado, a moça, que pela primeira vez se apresentou em palcos baianos, exalava felicidade com a recepção calorosa do público. “Achei incrível tocar aqui. Estou muito encantada com todos vocês, o público foi perfeito. E essa diversidade característica da Bahia me deixou muito feliz. Estréia perfeita!”, confessou.



A intérprete e a compositora


Apesar de estar correndo o Brasil com um CD quase todo autoral, Monique Kessous não abriu mão de seu lado intérprete no Festival. Dando caras novas a canções consagradas como “Disritmia”, de Martinho da Vila, “Sonhos” de Peninha, e uma versão com bastante suingue e sensualidade para “Bloco do Prazer”, de Morais Moreira e Fausto Nilo, a menina já não confundia o público que pedia mais. E ela dava.

Sua versão cheia de intimidade para “Qual é, baiana?”, de Caetano marcou um dos momentos de êxtase do show. “Pensei com muito carinho nas versões para a apresentação de hoje. Até mesmo porque é um Festival e isso sempre dá uma animada nas pessoas. E festival precisa ser uma coisa ‘pra cima’, afinal, ninguém quer ficar o tempo todo chorando a dor de cotovelo do amor perdido”, brinca, citando um tema recorrente em suas letras.

Veja o videoclipe da canção "FRIO"

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Márcio Mello e seu Bizarro Móvel agitam a noite no Rio Vermelho



Para quem não está afim, não curte, ou simplesmente não pode ir ao Festival de Verão de Salvador na noite desta sexta-feira, 4, não teve como se queixar de que perdeu a balada. A noite na orla da cidade, por exemplo, sempre reserva aos “alternativos”, “undergrounds” e avessos à cultura dominante “frutas diversas” e “salgadinhos variados”.

Uma espécie de circuito off–Broadway em plena Salvador. Algo que sempre esteve ali, mas alguns não queriam ver e outros são apenas mal informados.

Caso emblemático é a “cena boêmia” da região do Rio Vermelho. Em “canais” como o Boteco do Zé, Borracharia e Varanda do Sesi a música não parou de rolar, e deve manter a pegada durante o carnaval e após a quarta-feira de cinzas.

Falo de grupos de samba de raiz, artistas regionais, música étnica, trovadores solitários, punks de última hora e qualquer manifestação musical que se possa imaginar fora do mainstream. Entenda como lugares onde a expressão “tire o pé do chão” não faz sentido algum a não ser que faça parte de alguma letra de forró tradicional, baião ou similares.



O Bizarro Móvel

Para o engenheiro eletricista J. Campos abriu-se um universo novo. “Conheço vários ‘points’ de shows na cidade, mas não vinha ao Rio Vermelho faz tempo. Não sabia que a coisa aqui ainda pulsava dessa maneira”. Enquanto o rapaz concluía seu comentário, um burburinho chamava atenção logo adiante.

Uma caminhonete se aproximava, e recoberta por grossos arcos de metal estacionava próximo ao acarajé da Dinha.

Em cima, três homens desmontando a carroceria, carregando caixas, instrumentos... era um palco móvel, um pequeno tablado para, no máximo, 3 ou 4 pessoas, mas com uma boa estrutura para a proposta. “Eles fazem sempre isso por aqui, também têm um trabalho de apresentação de bandas novas que é muito legal.”, diz Herbert Guimarães, um tatuador badalado no local. Enquanto o palco era montado, dez ou doze pessoas o cumprimentaram de passagem. Mulheres em sua maioria.

O show é do cantor e compositor Márcio Mello, conhecido na Bahia como o grande expoente do rock alternativo e no resto do país como autor de sucessos como “Nobre Vagabundo”, gravado por Daniela Mercury, e “Esnoba” que estourou com a banda Moinho. Era isso. Acompanhado por mais dois músicos, Márcio solapou de cara oito canções, e deixou seu já desnecessário cartão de visitas para uma plateia extasiada, no Largo de Santana, atrás da igreja homônima, no Rio Vermelho. Ele mandava no pedaço.



Rock para todos

“Isso é o que eu chamo de Power Trio! É uma coisa visceral. Preciso ir até lá!”, exclamava Campos enquanto pedia liberação da esposa para cair na dança. A dança, aliás, é um caso à parte no rock alternativo.

É uma mistura de saltos e braçadas aparentemente avulsas, mas, acreditem, é um tipo de coreografia, como a briga de cães e gatos em sua casa. Enquanto você acha que estão se matando, os movimentos são meticulosamente executados para o erro. Algo como a capoeira, embora sem a mesma graça. Mesmo assim é muito interessante.

Márcio Mello mostrou que o Rio Vermelho é sua casa. Eis o Caramurú reencarnado, socando a pólvora e fazendo sua carabina cuspir fogo na noite soteropolitana. Vale ressaltar que, ao mesmo tempo em que se apresentava, o cantor participava de um programa de TV, divulgava e doava seu mais recente CD, o “Ao Vivo, No Rio Vermelho”, que traz a seguinte mensagem na contracapa: “demo promocional. Venda ou passe”. Ou seja, se não gostou, caro amigo, deixe que outra pessoa tenha a chance de tecer opinião sobre o disco.



Parou por quê?

As pessoas – melhor, as mocinhas e senhoras presentes -, não tinham a menor intenção de deixar o cantor parar. Há testemunhas de que ele até tentou, mas para cada riff e refrão entoado uma histeria quase beatlemaníaca tomava conta do Largo de Santana. Alguns juravam que as paredes da pequena ermida balançavam no ritmo de Márcio.

Parecia que daquele lado da cidade ninguém tinha a mínima ideia de que em uma parte remota de Salvador 40 mil pessoas viviam outra realidade musical, no Festival de Verão.



Fim de festa

Saldo positivo. A música teve seu momento. A tietagem teve seu momento, e Márcio desceu de seu “Bizarro Móvel” para receber os louros, como um maratonista que, embora fatigado pelo esforço, mantém no rosto o sorriso de quem sabe que cumpriu seu dever. Educado, sob aquela imagem de cara durão, fez questão de girar entre as mesas cumprimentando os presentes. Estava entre amigos.

Enganam-se os adeptos da teoria de que Salvador não comporta estilos aparentemente incompatíveis. O Rio Vermelho, mais uma vez, mostra que diversidade cultural é a marca dessa terra. Bastou Márcio Mello baixar o som para que ouvidos atentos percebessem a fauna musical daquela área. Uma banda tocava um ritmo afro, sensual e envolvente, há alguns metros dali, enquanto jovens roqueiros, inspirados pela magia do local faziam sua festa particular em frente à barbearia mais famosa do bairro.

A noite se encaminhava para um final agradável e as pessoas não arredavam o pé da praça. Sim, os poetas estavam certos, ela pertence ao povo, como também o céu estrelado da velha Bahia pertence às novíssimas meninas-aviões e aos relutantes condoreiros que passam mercando sua poesia e outros entorpecentes. O Rio Vermelho pertencia aos amantes àquela hora.
Ao fundo, como em um mantra, que, por força do hábito teima em ser repetitivo, se ouvia, sabe-se lá vindo de onde: “... e o palhaço o que é que ele é?”. Enquanto de outro canto, também desconhecido, respondiam, “é ladrão de mulher!”.


(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

20 de novembro: Porque devemos comemorar


Em 20 de novembro de 1695, o último foco de resistência foi vencido e Zumbi, o general negro e rei de Palmares caiu sob o jugo do bandeirante Domingos Jorge Velho. Mas uma batalha perdida nem sempre significa que a luta terminou. Hoje a data serve de lembrança, aviso e estímulo às novas gerações.

Muito se avançou no que se refere à igualdade racial no país. Fato. No entanto, há os que ainda se opõem às políticas de reparação, como as cotas específicas nas universidades. Ora, uma população alijada de seus direitos por séculos e que, mesmo depois de uma libertação física, ainda sofreu e sofre diariamente com a incerteza social, a desigualdade econômica e cultural tem motivos de sobra para desconfiar também.

Ainda não é seguro dizer que os olhares atravessados se extinguiram. Ainda há muito que se conquistar. Daí vem a importância desse dia 20 de novembro. Mas como uma data que, a priori, lembra uma derrota da raça pode ser motivo de orgulho? Talvez pelo seu caráter simbólico, que transcende o resultado que as reduções históricas dão àquela derrota em Palmares, no século 17.

Por não se tratar de uma derrota covarde, e sim de um ato de resistência. Aliás, o povo negro não tem feito outra coisa desde que chegou às Américas senão resistir. Seja correndo pela vida nas capoeiras, seja se esgueirando nas ruas das grandes cidades. É a razão maior de sua existência - resistir. E por isso devemos nos orgulhar e parar, ao menos nesse dia, com mais afinco, para refletir sobre nosso passado-presente guerreiro.

E ponderar, nesse meio-tempo, maneiras de tornar essa resistência mais efetiva, sem abrir mão da objetividade necessária que nos conduza, a todos, sem exceção, a uma convivência harmoniosa entre as etnias. Portanto, considero válida qualquer comemoração que leve em conta essa lembrança de bravura que só tem a acrescentar à nossa história.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Ode à vadiagem (mas sem esquecer da labuta)


Foto por Eduardo Freire

Sobre a palestra de Domenico de Masi em Salvador

Jorge Amado, no clássico “Dona Flor...” utiliza a expressão do título para descrever os melhores momentos do amor entre sua heroína, a mulata Flor e seu falecido marido Vadinho. Aqui o termo está aplicado a algo de igual nobreza: a criatividade no campo profissional.

Domenico de Masi, importante sociólogo italiano, veio a Salvador, na última quinta-feira, 4, para contar que descobriu algo que o brasileiro, em especial os baianos vêm praticando há muito tempo. Um fenômeno a que chamou de “ócio criativo”.

De Masi propõe que a vida seja encarada de acordo com o tripé “trabalho, estudo, diversão”. Explica, no entanto, que nada disso deve ser praticado em separado, mas como uma atividade conjunta.
Após extensa explanação onde se mostrou profundo conhecedor da história universal, o italiano, com um senso de humor afiadíssimo, se fazia entender até pelos já saturados com a tradução simultânea do Teatro Castro Alves que, mais uma vez deixou a desejar.

Imaginem que a tradutora, em determinado momento interrompeu sua função para responder a alguém sobre a localização do seu carro. Não é difícil supor que a moça estava aplicando o conceito de De Masi in loco.

24 horas sem tirar

De acordo com o sociólogo, seu conceito privilegia o trabalho intelectual, tirando o foco da estruturação mecanizada do trabalho. “Utilizando os conceitos do ócio criativo, a pessoa trabalhará 24 horas por dia, pois estará em constante processo de criação, fugindo assim da mecanização que encontramos hoje em dia em uma fabrica que ainda segue os velhos conceitos da Revolução Industrial”, explica.

Para exemplificar seu conceito De Masi se apropriou ainda de uma frase do escritor Joseph Conrad, que em um de seus livros deixou a seguinte dúvida no ar: “Como explicar à minha mulher que quando passo horas olhando pela janela estou trabalhando?”.

Bem humorado, Domenico De Masi comentou que via o trabalho nos altos escalões das grandes empresas como uma atividade homossexual. “Ora, são um bando de homens correndo de um lado para o outro, marcando longas reuniões onde nada é decidido de forma definitiva, e as mulheres são sempre excluídas desse universo.”, disse e prosseguiu, “Creio que sejam todos homossexuais, pois se amam tanto a ponto de excluir as moças desse lugar privilegiado, ou, no mínimo odeiam suas famílias, pois passam quase todo o tempo distante delas.”, concluiu.

“O homem nasceu para criar”

De Masi diz não se conformar que o homem, um ser feito para a arte, para a criação, e para o prazer, esteja restrito a um universo tão pequeno quanto um escritório, sendo que no mundo há tantas outras possibilidades para serem exploradas, e desabafa, “vivemos em um mundo em que a escola, a família, todos os pilares da sociedade estão programados para ensinar a trabalhar e não a viver, e isso está errado.”, falou.

De Masi ressaltou a necessidade de países emergentes como o Brasil olharem com mais carinho pelo turismo. Disse que um país com essa vocação para a diversão não pode estar restrito à economia dura e que aprisiona o profissional.

O italiano concluiu com uma lista de previsões para os próximos dez anos que passa pela total libertação da mulher tanto no campo profissional quanto afetivo, da efetivação do que chamou de “teletrabalho”, que seria a atividade laboral sendo executada de qualquer lugar, e não apenas de um ponto fixo cercado por quatro paredes.

É possível que nosso herói, após o cansativo trabalho de falar a uma platéia composta em sua maioria por gerentes e diretores de empresas “caretas” e segundo o seu conceito, ultrapassadas, tenha dedicado o resto do final de semana a uma visita técnica às praias baianas.

E, quem sabe, estando lá, munido de sua camisa florida, de água de coco fresca e da companhia de uma bela baiana a ideia para um novo livro apareça. Quem sabe novos conceitos. A Bahia entende disso, Domenico. Como chama mesmo? Ócio criativo? Deixa que eu chuto!

Em tempo:

Domenico de Masi é professor de Sociologia do Trabalho na Universidade La Sapienza de Roma; Fundador e diretor científico da S3 Studium SRL, uma sociedade de consultoria, pesquisa e formação em Comunicação e Presidente da Fundação Ravello.


(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

O adeus de Ronaldo


Confira a trajetória do craque dentro e fora dos gramados

O Ronaldo, jogador excepcional, despediu-se dos campos há pouco mais de cinco anos. Pelo menos o seu futebol se despediu nessa época. O homem que entrou em campo, já desacreditado, nos gramados alemães em 2006 já não era o mesmo atleta de anos anteriores. Tampouco era o símbolo da superação humana que estapeou o mundo (eu, inclusive) com luvas de pelica com a surpreendente recuperação durante a copa do oriente (Coreia e Japão).

Na coletiva de ontem (14) o que se viu foi a despedida de seu último esforço para se manter em uma zona de conforto que, segundo o ex-treinador Carlos Alberto Parreira, “ele necessita para viver!”. Segundo o ex-técnico da seleção, Ronaldo precisa ser acarinhado e paparicado o tempo todo para estar feliz. Quem não precisa né?

Em seu discurso de ‘despedida’, o astro culpou um determinado problema de saúde (hipotireoidismo), uma enfermidade que segundo o jogador não poderia ser tratada com ele em atividade, porque se trataria de doping. As duas declarações foram rechaçadas no Jornal Nacional horas depois.

A 1ª por uma médica, afirmando que apenas o hipotireoidismo não seria capaz de tamanho aumento de peso. Dando a entender que se tratava mais de descuido de Ronaldo que da doença. É preciso lembrar que o jogador é conhecido por ser um glutão contumaz. Além disso, fuma e bebe com frequência.

A 2ª afirmação foi descartada por uma autoridade da medicina esportiva, que deixou claro que a substância necessária para o tratamento da enfermidade não faz parte do catálogo de medicamentos proibidos. Mas, como bom garoto-propaganda, Ronaldo conseguiu comover e convencer. E nesse mundo midiático, é o que vale. O que fica. Virou verdade.



Futebol

Desde o Campeonato Brasileiro de 1993, com a histórica atuação contra o Bahia, quando marcou 5 gols, culminando na célebre roubada de bola do goleiro uruguaio Rodolfo Rodrigues que lhe rendeu convocação para a copa dos EUA no ano seguinte, até sua melancólica despedida do futebol, o craque viveu entre crise e sucesso, como aliás, todo grande ícone.

Em ascensão meteórica, o jogador mal começou a brilhar no Cruzeiro e caiu nas graças do técnico Parreira e foi levado para a copa de 1994. Verdade que se limitou a vibrar do banco de reservas, mas a convocação e a experiência no mundial já lhe renderam um contrato milionário com o PSV da Holanda no mesmo ano, seguindo os passos do ídolo brasileiro do momento, Romário.

Ainda seguindo as pegadas do baixinho, Ronaldo foi parar no Barcelona, onde brilhou mais que todo o ouro asteca levado por Cortez da América para a Espanha. Rei da Catalunha, Ronaldo seguiu sua brilhante carreira.

Copa da França

O Brasil buscava o penta na França em 1998, tinha uma boa seleção, e com alguma facilidade (exceto na semifinal com a Holanda) conseguiu chegar à final do torneio. Ronaldo voltaria a ser o centro das atenções, só que dessa vez por um fato desagradável: horas antes da partida contra os donos da casa o jogador foi levado às pressas para um hospital em Paris. Segundo informações, até hoje truncadas, o jogador passara mal durante a noite, tendo inclusive convulsões, e não estaria em condições de jogar.

Antes da partida, com o atacante Edmundo escalado para começar jogando, Ronaldo decidiu partir para o sacrifício e pediu para entrar. A Seleção não jogou tudo que sabia e podia, além disso, os jogadores esqueceram-se do jogo e passaram a vigiar Ronaldo pelo campo. Resultado: o Brasil perdeu a copa sem esboçar qualquer reação.



Inter de Milão e o joelho

Transferido para a Internazionale de Milão Ronaldo apresentava o melhor de sua forma no, até então, maior campeonato de futebol do planeta. Fora aclamado ”Fenômeno” pela espalhafatosa imprensa italiana, vivia uma eterna lua de mel dentro e fora dos gramados quando, em uma jogada corriqueira rompeu os ligamentos do joelho. Era o fim. O craque estava acabado para o futebol. Não se falava de outra coisa.

O retorno espetacular e o inferno no Real Madrid e no Milan

Após meses de recuperação, quase por milagre, Ronaldo volta aos campos convocado pelo então técnico da seleção brasileira, Luís Felipe Scolari, e desacreditado por torcedores e imprensa do mundo inteiro, o jogador tem um desempenho extraordinário na Copa de 2002, traz o pentacampeonato e se torna, definitivamente, um mito.

Magoado com a imprensa e a torcida italiana, Ronaldinho se transfere para o Real Madrid com a moral elevada e com mais um título (o 3º) de melhor jogador do planeta na sacola.

A vida do craque em solo espanhol seguiu com altos e baixos. Bem nas primeiras temporadas, após dois anos de Espanha os problemas com o excesso de peso, as farras e as contusões selaram o destino do atacante, que se transferiu para o Milan.

De volta a Milão, só que agora pelo rubro-negro, Ronaldo não conseguiu repetir suas grandes atuações de anos anteriores. Passou mais tempo em recuperação que dentro de campo e, após 15 anos de Europa resolveu retornar ao Brasil.



Travestis e Corinthians

Em busca da antiga forma, o Fenômeno iniciou sua retomada ao futebol na Gávea, tentando junto a seu clube de coração, o Flamengo, recuperar seu futebol e prestígio. Entretanto, após se envolver em polêmica policial quando foi flagrado em um motel com 3 travestis, o jogador abandona os treinos no Rio, assina com o Corinthians, rompendo de forma irreparável com a torcida e segue sua vida.

No time paulista, que retornava honrosamente da segunda divisão, o jogador reencontrou carinho de fãs e torcedores, conquistou um campeonato paulista e uma Copa do Brasil e partiu com tudo para a Taça Libertadores da América, sonho antigo dos corintianos.



Decepção e fim de carreira

Após duas tentativas frustradas de ganhar a Libertadores, Ronaldo, Corinthians e torcida se desentendem. Com uma despedida melancólica o craque anunciou nesta segunda-feira, 14, que está deixando, definitivamente, os gramados. O eterno ídolo corintiano, Sócrates, costuma dizer que, geralmente, não é o jogador que abandona o futebol, mas o futebol que deixa o atleta. Segundo Ronaldo, seu corpo já não atendia aos comandos de seu cérebro. Então, só resta aplaudi-lo pelo esforço e parabenizá-lo pelas conquistas.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)

Identidade e atitude marcam show do Capital Inicial (no Festival de Verão 2011)



Rouco, em recuperação e quase afônico, embora bastante determinado, Dinho Ouro Preto conduziu seus escudeiros Fê Lemos, Flávio Lemos, e Yves Passarell ao mais alto nível do que se convencionou chamar de “atitude rock and roll”.

Quase dois anos após o acidente “no cumprimento do dever” que quase o tirou dos palcos e da vida, o vocalista do Capital Inicial, no que tange ao vigor físico, parece totalmente recuperado. Salta de um lado a outro do palco de cerca de 30 metros com a mesma desenvoltura que tornou memorável cada apresentação ao vivo do grupo de quase três décadas de existência praticamente ininterrupta. (Sobre o acidente com Dinho Ouro Preto CLIQUE AQUI.)

Retomando sua origem de banda de garagem, o Capital incendiou a plateia. Dinho, literalmente, organizou o movimento e orientou o carnaval dos roqueiros presentes nesta primeira noite de festa no Parque de Exposições de Salvador. E nem a voz que em inúmeros momentos do show mostrou-se insuficiente, embora nunca vacilante, foi bastante para desfazer o encantamento do público que, como assistentes de mágico hipnotizadas, não precisou de meio acorde para se render aos encantos do grupo.

Antes do show, o cantor disse que “a banda está em seu momento mais maduro e que apesar de todo crescimento profissional a essência continua a mesma”. E no palco não se via outra coisa. Dinho não sabe ficar parado. E não deve, nem seu público permitiria. Esta noite, no Parque de Exposições, a expressão “tire os pés do chão!” teve seu ápice.

A plateia parecia sentir que a voz do ídolo ia falhar e, como um elefante de metal que sustenta papeis na ventania, não deixou em momento algum que as canções perdessem seu brilho. Uma emocionante prova de amor e cumplicidade entre o artista e seu público. Cantor e claque iam conduzindo em uníssono, como um casal feliz, cada um dos clássicos e as novas canções que emanavam daquele palco.

Para que voz? Ou melhor, por que uma só voz, se havia 35 mil gargantas dispostas, apaixonadas e cantando junto? Enquanto isso, do centro do palco, o cantor pedia “agora quero ver 70 mil mãos pro alto e todo mundo cantando junto!”. Nem precisava pedir. A massa encantada parecia antecipar o desejo e mantinha a sinergia.

Em tempo: quando perguntado sobre a influência do Capital para as bandas da nova geração, Dinho disse que “é evidente que existe a referência, e que considera normal que novas bandas sigam o exemplo”.

Alguns profissionais da imprensa interpretaram mal quando o vocalista respondeu sobre a febre das bandas ditas “coloridas”. Foi dito apenas que o Capital Inicial não se vê representado por essas bandas que devem possuir outros ícones e outras influências.

(Artigo inicialmente publicado no Diga, Salvador)