e com a palavra...

(Re)introspectiva 2010 - Parte I



2010 pode ser considerado por muitos um ano que já passou da hora de abrir espaço para a novidade. Mas, à beira do precipício, este velho companheiro de batalhas resolve, à moda dos políticos, alardear seus feitos. Entre equilíbrios e desatinos confira o que de melhor e, invariavelmente, o que de pior 2010 nos reservou:

Mulher no volante

Começando pelo final, como um adendo, vamos ao fato de maior relevância para a nação: pela primeira vez na história desse país, - como costuma dizer certo fantasma de réveillons passados, um “Patinhas” amigo de todos – elegeu-se uma mulher para o mais alto cargo da república. Dilma Roussef é a primeira presidenta desse boteco malcheiroso, eleita 121 anos depois que o velho Deodoro, o primeiro laranja republicano, resolveu mandar o bonachão Pedro de Alcântara gozar férias vitalícias em Paris. Aliás, este país sempre foi uma “mãe” para os deportados alheios, mas uma maquiavélica e calipígia madrasta para os seus.

Agora, como todo possuidor de “TOC” (Transtorno Obsessivo Compulsivo), vamos à cronologia.

Água e Terra

É, meus amigos, o Haiti é lá, mas as imagens daquela tragédia e suas conseqüências ecoam na memória de todos até hoje. Uma péssima forma de se começar o ano. Sem contar a série digna de ser tema dos piores filmes americanos ocasionada pelas chuvas no Rio de Janeiro.

O Haiti, país mais pobre das Américas, foi devastado por um terremoto de magnitude 7,0 no dia 12 de janeiro. Mais de 250 mil pessoas morreram e 1,3 milhão permanecem desalojadas por conta do desastre. Toda a comunidade internacional se mobilizou para ajudar as vítimas do tremor, mas o país ainda enfrenta os desafios da reconstrução.
Em outubro, ainda se recuperando do desastre, o país ainda sofreu com um surto de cólera que matou mais de 2.500 pessoas. (Estadão)

A China, o Paquistão e a Indonésia sofreram catástrofes naturais de dimensões bíblicas, mas o grande vilão do ano – por mexer no bolso dos donos do planeta, claro -, foi um vulcãozinho de nome exótico.
Se esfinge fosse, o Eyjafjallajokull, diria: “Decifra-me ou te sufoco!”. Brincadeiras à parte, o grandalhão aí deixou os europeus de cabelo em pé.

Atirem a primeira pedra, mas cuidado para os estilhaços não despencarem na sua cabeça.

Como se já não bastasse o Lula dando pitaco nos problemas políticos do tal do “Armas na Disney ,já!”, o mundo resolveu meter o bedelho em um esporte que os Persas praticam há mais de um milênio: tacar pedras na Geni.

Uma tal de Sakineh Mohammadi Ashtiani resolveu ajudar a melar a “boa” imagem do país no exterior. Acusada de adultério e de conspirar para mandar o corno, ops, seu marido mais cedo para o lado direito de Alah. Ao que se sabe o dono daquela terrinha bucólica anda meio enfadado desses joguinhos pré-linchamento em porta de cadeia e deixou a moça de lado. Talvez seja o teto de vidro do Ahmadinejad aviando ao chefe: “não força que eu vou cair!”.

Copa do mundo

Como futebol é coisa de respeito, assunto sério e que já causou mortes matadas e mortes morridas, é preciso certo tato para mencionar o fato a seguir. Vocês sabiam que o Brasil não conquistou o Hexa na África do Sul? Não? Tudo graças ao nosso laranja nº 2 de hoje, o grande gaúcho Dunga, que resolveu ocultar gaúchos mais úteis e acabou levando chimarrão. Sabe, olhando para o Dunga hoje começo a ter ideias para o uso alternativo dos espetos de churrasco...

Mineiros, sondas estranhíssimas e buraco, muito buraco.

Ok, os 33 mineirinhos presos no buraco se salvaram (não falo do elenco do Galo que conseguiu, por pouco, escapar da degola, mas dos chilenos, se não notaram ainda), todos estão felizes em suas casas (eu acho), mas vocês não acham aquela sonda um tanto quanto... irreverente? No mínimo, né? Sei não, mas esse negócio de usar símbolos fálicos para salvar 33 caras que estão num buraco há muito tempo não parece coisa de Deus, não mesmo. E aquele papo de “fizemos um, pacto e nada do que aconteceu lá NO BURACO durante esses três meses. será revelado”. Conta outra compadre, que nessa nem o Ronaldinho acredita. Quanto à sonda Fênix, soube que será a grande atração do prêmio AVN 2011. Não sacam o AVN? Vão ao Google, crianças preguiçosas... vão gostar. Palavra de escoteiro.

Daí, meus caros, morreu o Neves... e a Inês também (que é para as feministas de plantão não erguerem suas vozes potentes e seus buços proeminentes contra nós).


Futebol

Digamos que 2010 foi um ano atípico para o nobre esporte. Para começar, o Flamengo não levantou uma taça sequer. Vá lá, muitos dirão que mandar embora o Bruno, o Adriano e o Love contribuiu para a Lei Seca pegar na terra de Araribóia, mas acho isso uma injustiça, ou como dizem alguns, uma P*** falta de sacanagem.

Como sabem (descobriram, né?) o Brasil não levantou o caneco na África, deixando a Espanha deitar e rolar nos holandeses. Mas a coisa por aqui pegou e pegou com força de PM em blitz sábado à noite.

Na terra de Jorge Amado e do Pe. Pinto, o Vitória passeou no regional, balançou o chão da praça na Copa do Brasil, perdendo apenas a derrota mais certa do ano, contra o Santos de Ganso, Neymar e Robinho. Nadou, nadou, cansou e resolveu reencontrar seu parceiro de copo e cruz, o Bahia, na série B do Basileirão. Ingratos, os tricolores levantaram, sacodiram a poeira e deram um a zero no Leão... não é que depois de quase uma década comendo a farinha do desprezo, o tricolor voltou?! Se fosse primeiro de abril eu não comia. Tá rebocado!

“Rio, cidade desespero!” (021 – Planet Hemp)

Com essa eu já ia embora, mas a memória pegou no tranco e lembrei do Rio. O Rio de Tom e Vinícius e das mulheres hortifrutigranjeiras. o Rio que sempre está na vanguarda das coisas resolveu limpar a casa para os dois eventos esportivos de maior relevância de sua história: O arrastão olímpico e a Copa de pebolim em 2014.

Seguindo os sábios conselhos do Capitão Nascimento, as autoridades cariocas resolveram descer a madeira nos traficantes. Os donos da boca, sem alternativa, ou com alternativa de sobra, vai saber, desceram o morro de turma e sumiram no mapa.

Do jeito que a coisa anda podemos ver algum no BBB11, façam suas apostas.

Mas, a grande notícia no meio disso tudo foi a casa que Pezão, traficante da velha guarda, deixou para a molecada cda comunidade curtir o verão. Quando vi as fotos jurei se tratar do cenário de um clip de Hip Hop, coisa fina tipo Snoop Doggy Dogg e Parangolé (que Deus os tenha).

Imaginem a satisfação do moleque dando um mortal naquela hidro. Coisa fina, né não?

That's all folks! Resta desejar um feliz 2011. .

*Dude Santos é jornalista

O Teatro de Bonecos (considerações sobre a eleição de 31/10)



Neste domingo, 31/10, 135 milhões de brasileiros estão aptos a votar, e vão às urnas não apenas para escolher quem guiará o destino do país nos próximos quatro anos – o que já não é pouco -, como para decidir sobre um modelo de gestão, uma maneira específica de governar, que mais lhes agrada. A versão tucana, ou o modo petista.

É sempre bom lembrar que, em 2010, o Brasil completa 25 anos de democracia plena, após outros duros 25 anos de período de exceção. Nesse meio tempo tivemos a conturbada fase de transição do governo Sarney e seus tresloucados planos econômicos e o famigerado tabelamento de preços que surgiam inesperados como gripe.

Em 1989 ocorreu a primeira eleição livre para presidente após o regime militar. Surge daí o cometa Fernando Collor, propondo dar uma cara nova à política nacional. A cara era nova, mas os hábitos eram bem conhecidos dos brasileiros. #Fail!

Outro período de transição: O governo Itamar, que os brasileiros lembram muito pelo topete, pelo fusca e a calcinha da Lilian Ramos (que ninguém viu até hoje), não necessariamente nessa ordem. Ah, e tinha o plano real, proposto por uma equipe formada pelo então Ministro da Fazenda: Fernando Henrique Cardoso.

Daí, os eleitores resolveram bancar o rei Salomão e deram carta branca a FHC por 8 anos e, em contrapartida, concederam ao petista Lula o mesmo privilégio.

Governos parecidos, com ênfase na política econômica. Se um privatizava de lá, o outro respondia de cá. O congresso nacional passou a ser moeda de troca, valia muito, e foi “muito bem pago” por isso. Escândalos de ambos os lados e agora o povo é chamado a decidir entre iguais com embalagens diferentes.


Daqui sairá o vencedor neste domingo, não tenha dúvida!

O Brasil não estará votando em Dilma ou Serra neste domingo, mas nas figuras à sombra: Lula e FHC. Se o títere vencedor terá fôlego para governar sem a mão do bonequeiro só o futuro dirá.

O eleitor está avisado: este entrevero acaba neste domingo. A não ser que caia algum meteoro mequetrefe sobre nossas cabeças até lá, teremos que conviver com essa escolha por, pelo menos, quatro anos. E não há bexiga d’água ou bolinha de papel que dê jeito caso algo não saia como esperado. O palco é o mesmo, são os mesmos atores, e cabe ao eleitor a decisão final: fogo ou frigideira. Boa sorte!

Não sei por que, mas uma brisa me coça a orelha dizendo que os verdadeiros bonecos somos nós...

Ode ao deputado Tiririca (Abestados somos nós)


Candidato-palhaço
Homem sério é candidato
A sopapo
Melhor ser um cômico-político
Que político palhaço
Candidato, palha e aço
Vivendo longe dos olhos
Num salto
De picadeiro em picadeiro
Descalço
Da última lágrima ao primeiro riso
Sobressaltos
Seguindo passo a passo até o derradeiro palco

Quem, afinal, Colombina, diz o choroso Pierrô, é o abestado?
- Quem ri por último, ri vingado!

Recado de Primavera


Que o mestre Braga seja meu porta-voz para os irmãos de sangue, copo e cruz nesse dia do poeta! Aos bardos, com carinho!

Meu caro Vinicius de Moraes: Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera — acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris.

O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para ele pôr seus ovos.

Isto é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e manacás em flor; e em cada mocinha loira, uma esperança de Vera Fischer. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui — a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus.

Rubem Braga - Setembro, 1980

Mensagem a Rubem Braga
Os doces montes cônicos de feno
(Decassílabo solto num postal de Rubem Braga, da Itália.)

A meu amigo Rubem Braga
Digam que vou, que vamos bem: só não tenho é coragem de escrever
Mas digam-lhe. Digam-lhe que é Natal, que os sinos
Estão batendo, e estamos no Cavalão: o Menino vai nascer
Entre as lágrimas do tempo. Digam-lhe que os tempos estão duros
Falta água, falta carne, falta às vezes o ar: há uma angústia
Mas fora isso vai-se vivendo. Digam-lhe que é verão no Rio
E apesar de hoje estar chovendo, amanhã certamente o céu se abrirá de azul
Sobre as meninas de maiô. Digam-lhe que Cachoeiro continua no mapa
E há meninas de maiô, altas e baixas, louras e morochas
E mesmo negras, muito engraçadinhas. Digam-lhe, entretanto
Que a falta de dignidade é considerável, e as perspectivas pobres
Mas sempre há algumas, poucas. Tirante isso, vai tudo bem
No Vermelhinho. Digam-lhe que a menina da Caixa
Continua impassível, mas Caloca acha que ela está melhorando
Digam-lhe que o Ceschiatti continua tomando chope, e eu também Malgrado uma avitaminose B e o fígado ligeiramente inchado.
Digam-lhe que o tédio às vezes é mortal; respira-se com a mais extrema
Dificuldade; bate-se, e ninguém responde. Sem embargo
Digam-lhe que as mulheres continuam passando no alto de seus saltos, e a moda das saias curtas
E das mangas japonesas dão-lhes um novo interesse: ficam muito provocantes.
O diabo é de manhã, quando se sai para o trabalho, dá uma tristeza, a rotina: para a tarde melhora.
Oh, digam a ele, digam a ele, a meu amigo Rubem Braga
Correspondente de guerra, 250 FEB, atualmente em algum lugar da Itália
Que ainda há auroras apesar de tudo, e o esporro das cigarras
Na claridade matinal. Digam-lhe que o mar no Leblon
Porquanto se encontre eventualmente cocô boiando, devido aos despejos
Continua a lavar todos os males. Digam-lhe, aliás
Que há cocô boiando por aí tudo, mas que em não havendo marola
A gente se agüenta. Digam-lhe que escrevi uma carta terna
Contra os escritores mineiros: ele ia gostar. Digam-lhe
Que outro dia vi Elza-Simpatia-é-quase-Amor. Foi para os Estados Unidos
E riu muito de eu lhe dizer que ela ia fazer falta à paisagem carioca
Seu riso me deu vontade de beber: a tarde
Ficou tensa e luminosa. Digam-lhe que outro dia, na Rua Larga
Vi um menino em coma de fome (coma de fome soa esquisito, parece
Que havendo coma não devia haver fome: mas havia).
Mas em compensação estive depois com o Aníbal
Que embora não dê para alimentar ninguém, é um amigo. Digam-lhe que o Carlos
Drummond tem escrito ótimos poemas, mas eu larguei o Suplemento. Digam-lhe que está com cara de que vai haver muita miséria-de-fim-de-ano
Há, de um modo geral, uma acentuada tendência para se beber e uma ânsia
Nas pessoas de se estrafegarem. Digam-lhe que o Compadre está na insulina
Mas que a Comadre está linda. Digam-lhe que de quando em vez o Miranda passa
E ri com ar de astúcia. Digam-lhe, oh, não se esqueçam de dizer
A meu amigo Rubem Braga, que comi camarões no Antero
Ovas na Cabaça e vatapá na Furna, e que tomei plenty coquinho
Digam-lhe também que o Werneck prossegue enamorado, está no tempo
De caju e abacaxi, e nas ruas
Já se perfumam os jasmineiros. Digam-lhe que têm havido
Poucos crimes passionais em proporção ao grande número de paixões
À solta. Digam-lhe especialmente
Do azul da tarde carioca, recortado
Entre o Ministério da Educação e a ABI. Não creio que haja igual
Mesmo em Capri. Digam-lhe porém que muito o invejamos
Tati e eu, e as saudades são grandes, e eu seria muito feliz
De poder estar um pouco a seu lado, fardado de segundo-sargento. Oh
Digam a meu amigo Rubem Braga
Que às vezes me sinto calhorda mas reajo, tenho tido meus maus momentos
Mas reajo. Digam-lhe que continuo aquele modesto lutador
Porém batata. Que estou perfeitamente esclarecido
E é bem capaz de nos revermos na Europa. Digam-lhe, discretamente,
Que isso seria uma alegria boa demais: que se ele
Não mandar buscar Zorinha e Roberto antes, que certamente
Os levaremos conosco, que quero muito
Vê-lo em Paris, em Roma, em Bucareste. Digam, oh digam
A meu amigo Rubem Braga que é pena estar chovendo aqui
Neste dia tão cheio de memórias. Mas
Que beberemos à sua saúde, e ele há de estar entre nós
O bravo Capitão Braga, seguramente o maior cronista do Brasil
Grave em seu gorro de campanha, suas sobrancelhas e seu bigode circunflexos
Terno em seus olhos de pescador de fundo
Feroz em seu focinho de lobo solitário
Delicado em suas mãos e no seu modo de falar ao telefone
E brindaremos à sua figura, à sua poesia única, à sua revolta, e ao seu cavalheirismo
Para que lá, entre as velhas paredes renascentes e os doces montes cônicos de feno
Lá onde a cobra está fumando o seu moderado cigarro brasileiro
Ele seja feliz também, e forte, e se lembre com saudades
Do Rio, de nós todos e ai! de mim.

(Vinícius de Moraes)

Vinícius: 97 anos


"Quem pagará o enterro e as flores/ Se eu me morrer de amores?" (Vinicius de Moraes)

“Que seja eterno enquanto dure!” profetizou o Poetinha em um de seus poemas mais conhecidos. E como uma estrela, que brilha ainda mais após encerrar as atividades, o homem que dedicou sua vida às mulheres, à alegria, à canção e ao bem-viver continua sendo o NOSSO poeta. Nosso e das “meninas de bicicletas” que fagueiras passeiam no calçadão.

Diplomata, poeta, cantor, compositor, homem, moleque, tantas são as faces de Vinícius que seria preciso um poema por dia para cantá-lo com pompa e justiça. Um homem que foi capaz de enfrentar um sistema autoritário, afrouxar o nó da gravata, subir o morro e cair no samba merecia viver para sempre.

No entanto, diga-me, caberia Vinícius neste mundo frio e amante das coisas frívolas, dos amores virtuais? Viveria ele sem a carne fresca e as coxas cálidas que tanto amava?

Poeta virtuoso, mas pouco lido, descobriu-se compositor. Deitou e rolou ao lado de Tom Jobim, seu parceiro maior, Edu Lobo, Carlos Lyra, Baden Powell e Toquinho. Daí veio o Orfeu Negro, e Camus... e a Palma de Ouro em Cannes. A Bossa Nova, os Afro-Sambas, a Garota de Ipanema, “tantas fez o moço....”. Vinícius já era globalizado antes mesmo do termo fecundar a mente dos teóricos da nova ordem.

Filho de Xangô, embaixador do Principado de Itapuã, a pomba branca retornou aos céus em 9 de julho de 1980, mas não saiu dos corações apaixonados. Dizia que era preciso respeitar a alegria e a tristeza e daí todas as outras coisas surgiam.

Marcus Vinicius de Melo Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913 no Rio de Janeiro. Estudou direito no Rio e Literatura em Oxford. Amava tanto o cinema, tendo sido crítico e censor cinematográfico, amigo de Orson Welles. Ingressou na carreira diplomática em 1943, mas a poesia e o samba falaram mais alto, e depois de algumas rugas com os militares acabou deixando de lado uma bela carreira no Itamaraty para viver do jeito que gostava, ao lado dos amigos, das mulheres e da música. “Eu não ando só, só ando em boa companhia. Com meu violão, minha canção e a poesia.”.

E, como dizia o poeta:

“É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração... porque o samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”

A benção, Vinícius, Saravá!

O ocaso da nova ‘Era Dunga’

(Não é um tratado sobre cavalaria. Talvez existam [no texto] citações acerca de cavalos, ferreiros, generais sem sorte, e outros com sorte até demais. Pena que desaprenderam a dançar, se é que um dia souberam.)


Sabe aquelas histórias épicas onde um rei, um herói ou vilão, após sofrer uma grande derrota, ou conquistar um grande triunfo, passados muitos anos, retorna para sua zona de conforto, seu país, sua casa, sua aldeia, e percebe que corre o risco de perder sua conquista anterior, ou, tem a chance de reconquistar sua honra?

Pois esta história, apesar de possuir todos esses ingredientes, trata de um anti-herói, um pária, que julgávamos adormecido, alguém a quem, depois de surgir como revelação em um esporte amado por uma nação inteira, coube a pecha de representante do fracasso. Símbolo maior da inapetência que certos seres humanos parecem possuir quando se defrontam com a chance de serem criativos.

Anos mais tarde, esse mesmo ‘vilão’ tornou a ser referência no esporte amado. Representante da raça, da resistência aguerrida de um povo sofrido. Enfim sagrou-se cavaleiro, ou melhor, campeão, em um tempo em que a ‘massa’ estava subjugada, que já via o sonho da conquista como algo distante, impossível. O povo quase que o amava agora. Era o rei, enfim!

O rei chegou ao topo da montanha. Conquistou o mundo. Mas, ao deparar-se com a chance de ser magnânimo ainda que sendo humilde, o grande herói fraquejou. Sua nação tivera, quando conquistou o mundo pela primeira vez, outro herói, também um defensor, de origem mediterrânea como o novo rei, mas que ao vencer sua última batalha beijou o solo conquistado, seu troféu. Um herói puro de coração. Um cavaleiro!

O herói de hoje, que já é ontem, limitou-se a esbravejar e vociferar insultos impronunciáveis, que nós, tolos camponeses felizes pela maldição quebrada não notamos a princípio, mas sabemos que ele praguejou contra sua própria vitória. Atirou no próprio pé. Profanou a memória de heróis anteriores, vitoriosos ou não. E o tempo passou.

Após longo sono, essa figura retorna da segurança inerente aos intocáveis, para tornar a ser exemplo de desconfiança entre os seus. Aquele homem que parecia satisfeito com sua maior vitória, agora tenta superar-se enfrentando aquilo que o fizera cair de joelhos uma vez. Luta para provar que a arte é dispensável e, que conquistar só é possível através da força, do temor, do fogo, da noite e da artilharia pesada e incessante.

Esse deus da guerra contesta uma nação sedenta por mais glórias através do martelo e da espátula do escultor, e faz anoitecer apreensivo todo um povo. A nova Era Dunga se inicia. E a todos engana, como uma bela e pestilenta dama que oscila entre a corte e o cais do porto, e que infecta seus admiradores com paixão, e dor.

O príncipe é vaidoso. Não dá espaço a contestações. E faz justamente o que todo mundo sabia, com meses de antecedência: sua teimosia o levaria à ruína. E assim foi. Está feito. Sua nação caiu. Sim, toda ela. Pois a derrota não foi apenas do soberano sem majestade e entorpecido pelo poder e pela soberba. O exército pertencia ao general, mas foi uma derrota coletiva.

E enfim, o rei caiu. Xeque-Mate! Resta esperar que outro aventureiro, oxalá um discípulo de um mestre que encantou a todos alguns anos antes, mas que não foi feliz e perdeu a chance de tornar-se vitorioso, ao menos na mesma proporção. Tudo bem. Que apareça então um louco, como o que anteviu, ainda nas eras românticas, que essa batalha se vence com astúcia e ginga, mas com muita vontade tática, não esquecendo as origens ‘poéticas’ de nosso modo peculiar de duelar.

Aceitamos até um jovem pajem que tenha audácia suficiente para enfrentar dragões e que possua um coração puro o bastante para retirar a espada, que descansará por quatro longos anos, cravada na pedra fria.

Em tempo: a Seleção comandada por Cláudio Coutinho, na Argentina, em 1978, jogava nos moldes da grande Holanda de Cruijff e Rinus Mitchel que encantou o mundo quatro anos antes, na copa da Alemanha. O Brasil terminou o torneio invicto, conquistando o terceiro lugar, ficando de fora da final após disputar um triangular que contou ainda com a participação dos donos da casa e da Laranja Mecânica (Holanda).

Poema de Aniversário [sem encomenda ou embalagem]: #ERA - O Besouro, o Arcanjo e a Rosa


(foto gentilmente cedida por Érica R.A.)

"...faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há, mas eis que chega a roda viva e carrega a roseira pra lá..." (Francisco Buarque de Hollanda)

O Besouro, o Arcanjo e a Rosa
Tríade dispersa
Corações divididos, vidas separadas
Outras cidades, sinas conurbadas

Ela ainda não sabe.
Crustáceos...
Instáveis!
Seres alados
Despedaçados
Autorrecicláveis
Aves-do-paraíso
Fênix tropicais
Animais de casca dura
Frágeis
Antíteses

Encostas úmidas
Sem vegetação de apoio
Bobos!
Amantes de eras distantes
Distintas
Que se desconhecem
Atemporais!

Juízes do próprio tempo
Perdidos - custam a se encontrar
Cegos de luz...
Estranhos passageiros
De uma nova ordem
Antiquados!

Bronze que resiste ao martelo
Do mais hábil artesão
Reminiscentes!
Degredados.
Marcados à ferro
Malhados na chama fria
De um tempo ingrato
Teu berço é o calor de nosso inverno...
Que forjou tua força e teus olhos marejados

Como antigos aliados
Que não se vêem no mesmo espelho
Por isso custam a despertar!
Acordem anjos caídos!
Amanheçam, pois
São uno!
Desconhecem o que os une?
Caíram...
...despiram-se das asas
Ápteros!

Perderam contato.
Ele sabe. Sempre soube.
Desde o primeiro instante
Ela nega [a si mesma, e a]
Sua origem celestial

Nega
Que nasceram para esse reencontro
Os dois seres alados
Os crustáceos
O anjo torto
e a Rosa que ri
E acha coisas belas onde só existe
O silêncio
Que ama as águas claras e se deixa conduzir
Pelo vento

Rosa, flor em estado puro
ROSAMOR, de assalto-incêndio deflagrado
Dona do poder, de nomes e lágrimas
Graciosa elemental de bosques e prados
Flor, rubra seda de sonhos incontidos
#ERA de tantos amores
Essa canção-retorno é em teu louvor!
E é por teus olhos úmidos
Que voam cegos os pássaros à noite
E os homens alados em direção ao sol...

O Fígado e a Raiva


Pessoas de mau humor me irritam. Efeito bumerangue? Talvez. Certos cretinos deveriam sair de casa com um colar de sal de frutas pendurado no pescoço. Olha aqui, se pretende destruir seu fígado antes da hora, criatura, use algo mais adequado e nobre. Bebe até estourar o coitado, contrai uma hepatite C, mas conserve o bom e o médio humor dos outros. (aliás, a palavra ‘contrair’ sempre me remete ao matrimônio. de forma negativa, claro. Como algo que se ‘contrai’ pode fazer bem a alguém? Nunca vi um portador de herpes labial saltitando de felicidade porta afora).

Nada mais desgastante e broxante que alguém que não sabe retribuir um sorriso. Pior ainda, são os que respondem com um sonoro: "o que foi, c@#%*ho????". Não quero, com isso, dizer que devemos sorrir de tudo como imbecis desvairados, babões ou lunáticos [os autodestrutivos] (ressalva quanto à última palavra [lunáticos], que, a meu ver deveria ser sinônimo de coisas boas). Mas, não custa nada [ou quase nada] a ninguém ser cordato e gentil.

A irritação alicia e é contagiante. No trânsito, utilizando o exemplo mais comum possível, vira uma reação em cadeia. Um engraçadinho troca de faixa na maior cara de pau, assim que surge uma chance, trava a rua, e o motorista de trás, comportado até então, dá o start para a balbúrdia. Toca a buzina (aquelas temáticas – de bois, cachorros e mulheres gemendo - são de matar) e o seguinte repete, e o outro, e mais um... pronto! A zona está oficializada.

Condutores de coletivos são mestres na arte de fazer o fígado ferver. Param fora dos pontos, ou não param quando solicitados, correm feito loucos quando atrasados e se arrastam feito lesmas quando lhes dá na telha. São os ‘donos da rua’. Insuperáveis na provocação.

Motoristas de ‘buzú’ parecem amar quando um passageiro ‘desocupado’ que, precisa chegar a alguma reunião que decidirá sua vida (dessas que acontecem toda semana, e que nunca decidem nada no final, mas te deixa ‘F...’ de apreensivo e louco por um Actívia) emite sons impossíveis de serem decifrados [ou tão toscos e de baixo calão que preferimos não repetir], no fundo do coletivo. O condutor se delicia e, quando num engarrafamento então, procura a faixa mais complicada para trafegar. Escroto!

As atendentes de call center são criaturas ‘abençoadas’, que devem dormir como recém-nascidos e imberbes, as miseráveis. Impressionante como existem pessoas que não conseguem decorar uma receita de bolo, mas aquela cartilha que parece ter sido ditada pelo próprio Lúcifer escorre como um adocicado ‘bom dia’ daquelas bocas moles munidas de vozes encantadoras. Haja sal de frutas para aturar. Um hepatologista deve ganhar muito por cada fígado recauchutado.

Definitivamente amo as recepcionistas de edifícios comerciais e, sobretudo, atendentes de lojas de roupas. As primeiras são campeãs da indiscrição e do constrangimento público. Adoram perguntar mais do que lhes é devido, quando o cidadão decide cometer a bobagem de escolher um dentista cujo consultório está panoramicamente instalado no 14º andar do prédio ‘DELAS’.

É fogo! Todos na recepção precisam saber que você comeu doce demais na infância e que, agora, tem um movimento revolucionário em sua boca querendo tomar o poder derrubando um dente por vez como o exército de Napoleão treinando sua artilharia nas relíquias arquitetônicas do Egito.

As vendedoras são um caso à parte, hoje não é mais possível entrar em qualquer loja, de roupas então, nem pensar, sem ser abordado (geralmente de maneira assustadora, por trás e na maldade) com a frase: “posso ajudar, senhor? ’. Não percebem que, às vezes, nosso interesse é apenas olhar, passar o tempo, ou até mesmo dar uma espiadela nos decotes e minissaias das atendentes para um detalhado julgamento posterior?

Credo em cruz! Creio que um pote de sal de frutas (com sabor laranja, óbvio) bem guardado na mochila já não acalma fígados em ebulição. Definitivamente, odeio gente que se irrita com facilidade. Pessoas que acordam com a ‘pá virada’ me deprimem e extraem meu humor de maneira tão absurda que chego duvidar que sejam reais. Devem ser comediantes de stand up etnólogos aplicando suas teorias in loco.

Aí, meus caros, a única via aceitável, nesta situação catastrófica, é socar goela adentro um combo de Actívia com Limonada purgativa. Para mim, um litro, por favor! Gelada!

Desaforo para uma amiga que dorme


"Ah! Se ao menos ao fim dos meus passos incertos,
eu tivesse por cruz os teus braços abertos!". (Aos pés da cruz - Guilherme de Almeida)


A alma é indócil e dispersa
Cara amiga!
A alma é nossa inimiga
E a amiga mais doce
E Feroz
E pior: só notamos
Quando já é tarde!
A alma é um campeão covarde!

Dorme, ou apenas tenta.
Que no fim a brisa passa...
É verdade.
Resta uma dorzinha
Retardatária, suave
Mas, como os sinais
Das crianças, na mata...
...Perdidas...
São só migalhas!

Vem chegando aquela hora
Inevitável
De recolher as armas
De trancar bem os armários
Para ter com o que batalhar
Na guerra de amanhã.
Então, recua e descansa.
Rosa solar...
Volta pra casa!

Vem, mas vem depressa!
Vem entender o que passa
Vem para recomeçar.
Porque eu já te conhecia
Mesmo quando tua ânsia
Era uma doce criança
E teus medos
Ainda não existiam
Nem teu nome de rocha
Sempre poderosa
Nem o mar, nem o mar
Não havia
Nem o meu canto
Nem tuas asas
Não havia nada
E o mundo era frio
E sem vida
Pois não havia você

E o sono não vem
Porque você é como um sonho...
Que some de manhã...
E mora bem longe
Muito longe
Lá onde só chegam os pássaros
E os insetos de casca grossa
No cantinho escuro de tua alma
Iluminada
No casulo de pedra
De minha poesia
Que canta
Vem e me diz que
Não são palavras vazias
Que não sou letra morta
Diz que você, às vezes
Se importa
Com este poeta torto
E com sua sanidade
Equilibrista
Diz, em uma ou duas linhas
Dá ao cão farejador
Um sinal
Uma palavra
Um motivo maior que o amor
Deste poema-pista

140 caracteres


E se a vida se resumisse a 140 caracteres?
Isso já me assustava quando surgiu o SMS.
E agora?

E se fizermos de nossa vida uma história
Que se possa contar em apenas
140 toques no teclado?
Precisamos trabalhar tanto assim nosso 'poder' de síntese?
Sintetizar explica/resolve tudo?

E se a magia que emana de você se resumir a esse número fatal?
Encerra-se o assunto?
E se der para contar duas histórias em uma só mensagem?
Será que vai doer? Fecha a janela, senão lhe escapam as palavras.

É só isso!
Afinal, o que se tem a dizer? Não há rima que resista
Ao poder da edição compulsória.
É assim?
O que será dos insetos, da Rosa...
Dos amores?

O amor, como a vodka barata, meu bem,congela
Se não for consumido a tempo.
Espera!
Diz...
Você consegue amar com apenas cento e quarenta toques?

Semana Santa mestiça na capital da província


A Semana Santa na Cidade da Bahia apresenta, não sei precisar a partir de quando, no que tange ao que é servido à mesa, certas peculiaridades.

Vale salientar que, até por não frequentar, nem saber, senão por comentários daqui e dali, de amigos curiosos ou fidalgos, as varandas dos paços coloniais e, consequentemente, os banquetes da corte soteropolitana, não posso, com total conhecimento e riqueza de detalhes, dizer quais são as iguarias servidas após as intermináveis discussões sobre o futuro político da terra, e, uma ou outra vez, a respeito de certa moça que, em trajes provocantes, e, dissimulada ou não, chama a atenção dos convidados, e atiça o ciúme das senhoras.

Conheço a mesa da plebe. Eu e meu avô, o velho Mário, que é um exímio pescador de feriados e conhecedor profundo da arte do preparo da boa moqueca, que, com o perdão dos amigos capixabas, nada tem a ver com seu homônimo, que mais parece um escabeche feito às pressas. Chamem de peixada, não me importo. A técnica e os ingredientes são praticamente os mesmos. Mas, sem dendê, amigo, “nem mesmo a cor existe! E o amor? Nem mesmo o amor existe...”.

A ceia baiana transita pelo regional. É um dos indicativos de nossa miscigenação. Doce expressão do que chamamos sincretismo.

Do cento de quiabo cortado em pedacinhos, ao pão embebido em leite de coco, em cujo caldo adiciona-se camarão, castanha de caju, cebola, cheiro verde, amendoim, gengibre e dendê - o vatapá -, até o peixe, em seu último mergulho no azeite, aguardando, impaciente, o leite de coco e a última prova de sal.

O arroz de coco, para os apaixonados. Confesso ainda preferir o comum, branco e soltinho. Um rompimento à tradição, que não há de cobrar rigidez ao paladar. Não esta semana.

A mesa baiana na Semana Santa é um palco de misturas. O bacalhau, iguaria difundida na província pelos portugueses, mistura-se à cozinha africana como o café, o cigarro e o conhaque aos que escrevem de madrugada. Uns trazem consigo ainda a devoção às divindades a quem os pratos são dedicados. Outros ainda se entregam à gula dionisíaca, ao furor insano de degustar o feijão doce na mesma empreitada em que a moqueca é meticulosamente devorada.

Religiosa ou não, há, mesmo na voragem pagã, certa liturgia implícita.

E o vinho. Aliás, não tenho notícia de povo que celebre o sangue do Homem tão bem quanto os de cá. Não digo somente os nativos, mas os que habitam esta terra, vindos de outras realidades. O vinho aqui se converte em água, tal a fúria com a qual é consumido, sorvido como néctar em coxas sonâmbulas.

Depois, resta a rede, o violão, a poesia praieira e a pele macia da morena a se aconchegar – quase sempre reclamando que comeste demasiado, bebeste além da conta e, que insultou algum dos presentes -, normalmente um daqueles primos folgados que insiste em tirar todas as damas para dançar, inclusive as que rejeitam o convite.

Diz também que já é hora de ir, pois, (sei que esqueci de mencionar antes, mas a melhor ceia é aquela apreciada em casa alheia, serve até a da sogra, não importa) com tanta gente bêbada nas ruas, não é, definitivamente, um bom dia para sair tarde de qualquer lugar.

Sutil e disforme


Vem, vamos viver de aparências,
Brincar na lama e fingir
Que é tudo uma festa de cor e som
E gosto de infância
Vamos maquilar a esperança e viver
Dos sonhos dos outros
Como invasores de corpos
Ter nosso dia de lâmpada a colher
Os insetos

Vamos fingir que o futuro é certo
E que ninguém vai morrer
Daqui posso ouvir o mar tocando as pedras
E dá uma tremedeira nas pernas
Pensar em perder alguém
(Mais uma vez!)

Onde será que o amor dorme
Nesse meu sonho silente e disforme?
Quem sabe embaixo, por dentro ou atrás
Do teu sorriso infinito...
Diariamente matamos nossos próprios
Mitos. Aos gritos!
Será que faz diferença
Querer fazer parte e viver
De aparências?

Faz parte do jogo, é a mesma ciranda
De novo!
Mesmo filme, a pipoca e o circo
Vamos voltar e andar
Em círculos
É hora de curar o vício
Fingir que saímos do lixo
O resto é real, sem pressa
A verdade é vulgar
Não nos interessa

Ânsia


Salve o homem que saliva
Ao ver o corpo nu
Da mulher amada!
Que, instintivo, transgride
As regras e, rende-se à natureza,
Na ânsia de tocar-lhe as curvas.

Que, faminto, e
Com as mãos trêmulas e a boca
Ávida, molhada
Ama a poetisa, a literata
Com o mesmo fervor
Que exala ao amar
As putas, pois ambas
Desejam amor intenso
Na mesma proporção, ingênuo
Sem amarras, incessante
Terno e constante
E eterno a cada noite
A cada golpe de punhal
No quadril.

Ambos sujos, rotos e úmidos
Na guerra insana pelo domínio
Do corpo do outro
Que, por hora, lhe pertence.

Imensos são os calafrios
Dos insones
Diante da dor grotesca e prazerosa
Do gelo inquietante
Da resposta reticente
Da insana vontade de naufragar
Dos desvarios dos homens
Ilhados em corpos incandescentes

Deus salve [todos!] os covardes, que,
Desertando da batalha já perdida,
Aninham-se na coxa amada
Refrescam-se no colo amado
E dormem (in)tranquilos
Imensa é a sede do homem
Tamanha é a fome dos selvagens.



Ascensão


O céu, de um vermelho intenso,
Insano, crepuscular,
Olha-me
Como se fosse um predador
Que perdera o alimento,
Ou, como se visse,
Pela primeira vez,
O mar,
Devorando-o longamente.

E, se por um breve momento
Notasse o sol tocar as águas,
Sentindo, de longe, expirar
A leve sensação de paz
Que me envolvia
Talvez eu pudesse cantar as boas-novas,
Insurgindo como raios
De sol, num rompante de alegria.

Seria só luz, o toque suave
Da satisfação exorcizando o mau tempo que,
Antes, inexorável,
Nos golpeava a face, empurrando-nos goela abaixo
Névoa e sombras, súplicas e asco.

E, se num momento de azar
Eu alcançasse
O quarto andar da melancolia e pairassem
Sobre mim, as trevas, o descontrole
E a agonia, talvez
Meu sistema entrasse em curto,
Talvez o céu desprezasse
O crepúsculo, que, redentor,
Sepulta, finaliza o dia.

Cai a noite e o insano me olha
Como se eu fosse um barco, que,
Sem norte, vaga sobre as águas bêbadas
Do outono
Sol posto e calafrios no circo
Da mentira rompem o casco
Deixando-me à deriva, sem sol,
À luz do abandono.

Passam as horas, as pernas fraquejam,
Tanto medo
Na medida em que retorna ao chão
O ascensor, o louco festeja.
Uma oração!
Clamo em segredo, em busca de lucidez,
Sol, luz e Calor.

Lírica

(ou primeira canção para uma nova #ERA)

As belas canções são todas para ti...
Pois é [você] a razão da sua [delas!] existência...
E é por ti que [azuis!] vão cegos meus sonhos...
É em teu nome de penitente que o meu se completa

Seria esta tua face/boca
Razão para os sonhos serem o que são?
Serias o que mais, senão sutil
Inspiração?

Menina, aceita tua pena, teu fado!
Qual o caminho para tocar teu coração?
Aceita o meu, que, tolo, pensa
Pulsar junto ao teu, ao lado
Dando adeus à angústia e bilhete azul
À descrença

Que esta bela ilusão exploda em ti...
Pois vive em você [por quê?] a razão de minha existência...
Faço nova luz das trevas e exponho...
Minha oração incandescente em um peito que não mais comporta

Seria esta tua face/boca
Razão para os sonhos serem o que são?
Serias o que mais, senão sutil
Inspiração?

Menina, entendo tua descrença, teu enfado...
Qual o caminho mais curto para pousar em tua mão
Este músculo que, tolo, pensa pulsar junto ao teu,
Amado,
Expondo asas de cera ao sol, se deixando cair
De galho em galho, telhado após telhado?

O Inverso


Chama o boticário
Que o caso é sério
Antibióticos!
Chá, ervas amargas
Qualquer remédio!
Porquê é amor
Ou seria um combinado
Oscilando
Entre a chuva e o tédio?
Que horror!
É mais que um presságio
Mais uma dor
Rasgando as entranhas
E comendo por dentro
É amor ou qualquer outro
Agravante
É amor ou outro tipo de
Laxante
E sobre o molhado nos olhos
Põe a culpa na chuva
Diz que o vento machuca e que
A luz
Foi demais e machucou
Sua retina
Que a vista ficou turva
E que é cedo ainda
Mas eu sei que é amor!
Chegou difuso, mas
Constante
Imagina se um dia eu te encontrasse
Na cruz,
No meu lugar
Confuso e distante
Se eu te levasse pra lá
Não ia ter jeito!
Se você topasse
Pernoitar
No meu peito
Não ia ter jeito!
Tem de ser você!
Chamem um médico
Que é caso pra céticos!
Camisas-de-força,mordaças,
Asas!
Antialérgicos!
É mais uma dor e o corpo
Não estranha
Eu sei que é amor
E a cama não estranha
E é por você
Que a canção me acompanha
E faz de mim e da cidade
Meros reflexos, milagres
E o inverso, não sabes?

#ERA

Estro

(Lobo Guará - Zoo de Salvador)

Quando saio à sua procura
Nas noites de fome
Ou em tardes incertas
Buscando talvez minha cura
Um rosto, um nome
Não sei se sou louco
Lobo ou poeta
Anjo sem asas, bobo da côrte
Sentinela insone ou gado de corte
Se saio de casa ou fora da reta
Se outra dose me completa
Eu penso em você e em como me acerta
Setas com os olhos
No peito, na boca, e delírios
Em minha cabeça
#ERA

Brinde (no és otra película de amor)



Pelos momentos em que tudo
Dá errado
Pelo riso solto de quem está
Sozinho no quarto
Pelos melhores dias
Pelos segundos desastrados
Pelos anos inesquecíveis
Um beijo, o desejo guardado
Da estante pro chão – seu retrato
Um quadro em pedaços
A vida em pequenos quadros animados
Leva-me embora num salto
Ou no conforto da asa
Leva-me para longe
... Pelo menos para casa #ERA

Os desacreditados da equipe de 1987


O time do Flamengo de 2010, com a base mantida e ampliada da equipe que conquistou o Hexa, em dezembro de 2009, é considerado, por especialistas e corneteiros, um dos elencos mais consistentes do país. Se grandes vitórias elevam o ego às alturas, o que dizer da estrutura emocional de um time que acabou de ganhar o certame mais desejado e importante da nação?

Pois, este elenco vitorioso, além de presentear a torcida com partidas memoráveis, consegue ainda causar discussões em mesa de bar, do tipo: fulano, de hoje, joga igual ou melhor que aquele outro do time do Zico? Sem contar que, está para nascer equipe com tamanha competência em fornecer matéria-prima para as revistas de fofoca. Mas, voltemos ao futebol.

Outro dia, ouvi uma declaração do competente lateral Leonardo Moura, sobre sua atuação no time, em comparação a Leandro, o mais celebrado dono da camisa dois na Gávea em toda sua história. Leonardo não concordou com a opinião do técnico atual e meia contemporâneo de Leandro , Andrade, que, não sei se com intenção de amenizar sua (do Léo) soberba, ou apenas expor uma verdade inegável, disse que, apesar do talento comprovado, o Moura não joga nem metade do que jogava sua sombra histórica.

Mas, é quase impossível falar de grandes elencos rubro-negros sem citar, com bastante respeito, a equipe tetracampeã brasileira, em 1987. O time dos velhinhos. Os fantásticos e desacreditados reis do Rio. Era fim de safra na Gávea. Mas eles não sabiam disso.

O elenco supercampeão no início da década de 1980 foi praticamente desfeito. Mas, entre os veteranos e as jovens promessas, o Mengo se mantinha de pé, talvez amparado no título estadual conquistado no ano anterior, comemorando o retorno do rei – Arthur Antunes Coimbra, o Zico, à nossa estimada Camelot.

A equipe que se sagrou tetracampeã era uma arma tão clara quanto eram os guerreiros do hexa. Apenas os adversários não enxergaram a tempo. Posso até apostar que, nos últimos vinte anos, nenhum elenco que compôs qualquer seleção nacional – incluindo as equipes que levantaram o caneco do tetra e do pentacampeonato mundial -, possuía tamanho equilíbrio, nem jogadores tão comprometidos e cientes de seu dever, e de seu posicionamento em campo.

A esquadra – O eficiente Zé Carlos (o Zé Grandão), era pura segurança no arco rubro-negro. Aos 25 anos, o goleiro não tinha medo de cara feia, e já havia retirado do bom e veterano Cantareli, mais uma oportunidade de ser titular. Sem contar que Zé era presença constante nas convocações da seleção brasileira.

Seguro, veloz, preciso e mortal. Esses eram os cartões de visita de Jorginho. O jovem lateral tanto mostrou suas qualidades, que o mestre Leandro, optando pela zaga central, cedeu-lhe a posição e a mítica ‘2’. Léo, mais um para por na tua conta. Vai para a fila.

Leandro era o dono da zaga central, por opção, e pela impossibilidade, diante de tantas contusões, de fazer o Maraca louvá-lo a cada investida contra o gol adversário. A partir de então, o rei da defesa rubro-negra esbanjou e distribuiu talento na pequena faixa de campo que separa a linha de fundo da meia-lua da grande área.

A quarta zaga do time era um feudo do ex-tricolor Edinho Nazaré que, quando cansado ou machucado, cedia espaço para mais um guerreiro técnico da Gávea – Aldair. O jovem zagueiro fez, pelo curto período em que defendeu o Mengo, a torcida segurar a dor pela venda de Mozer.

O versátil Leonardo comandava a equipe a partir da lateral esquerda. Jovem e impetuoso, a cria prodigiosa dos celeiros rubro-negros mostrava, a cada partida, que um lateral pode atuar próximo à zaga, marcar bem, apoiar como poucos, sem dar chutão, ou viver somente da velocidade.

O mestre Andrade flutuava em campo tal qual pluma no céu das tardes domingueiras. Desde o grande Carlinhos, a Gávea não via tamanha elegância naquele escalado para ser o xerife, o primeiro homem a ser batido antes de a zaga ser acionada. O que, geralmente, não acontecia.

O meia Aílton, peça importante e regular do elenco, marcava muito bem, apoiava com velocidade e finalizava com habilidade, sem comprometer nenhuma das ações em detrimento da outra.

Zico –
Bem, o Zico era, é, e sempre será o Zico. E fez o que sabia melhor – brilhou -, e fez os críticos engolirem as palavras adversas que ousavam sussurrar a cada partida extraordinária.

O 'motor' Zinho era a máquina de correr daquele time. Técnico e rápido, Crizan tornava viável qualquer lançamento em profundidade que o Sr. Antunes executava. Falso meia, falso ponta-esquerda, e mestre dos dribles curtos e das arrancadas inesperadas. Até que o Parreira (o Falcão lançou a idéia) resolveu achar que de volante ele atuaria melhor.

O ataque –
O bloco ofensivo criado pelo técnico Carlinhos era quase infalível. Praticamente o time inteiro sabia atacar, e bem. Ninguém dava chutão, ninguém rifava a bola. Ela era muito bem tratada naquele ano bom.

O menu era variado: Bebeto e Renato Gaúcho - titulares absolutos -, além de Júlio César e o veterano Nunes, no banco. Velocidade, explosão, precisão nos chutes e a total falta de medo diante dos defensores do outro lado do campo. A equipe não se acanhava em chutar a gol, e a cada tento marcado a sede de mais um era prontamente saciada com jogadas preciosas e inesquecíveis.

Assim caíram os grandes do futebol tupiniquim, aos pés dos velhinhos e dos meninos da Gávea. Esperamos por muito tempo para ver formada outra equipe comparável. Ainda não a vejo, confesso. Mas, acho que o Flamengo de hoje pode chegar a ser inesquecível também. Por enquanto, Léo, meu filho, menos badalação e mais futebol. Quem sabe teu nome e sua imagem não se tornam imortais como os títulos que ajudou a conquistar. Portanto, vamos ao jogo!

Voo noturno (o nome da Rosa)


(foto: "Flor de lótus", gentilmente cedida por Erica Rosa Allain)

Caí,
E, como todos os outros,
Tive frio, amaldiçoei os ventos
E vi, da rosa pálida nascer
A luz. E cedi, ao riso. Jesus,
Como estou perdido, e como seduz
Seu brilho. Eu sei o quanto pesa
Tua cruz

Sorri, e me diz
Que não errei de casa
Se revelei minhas asas
E auréola. Confie,
Eu quis.
De todas as rosas, desafiou-me,
A mais bela
E me vi perdido. Atou-me
O peito às asas dela
E meu caminho à sua história
Mais infeliz

Cedi, e foi
Por ter caído, que escolhi
Seu caminho e teu abrigo. Eu pus
A faca nos dentes e a corda, e a cruz
Nos bolsos. E meu carinho por testemunha
Troco minhas asas por teu esforço
De esquecer quem te faz mal

Te quero feliz e por tuas unhas, juro
Te abraçar, em cada salto
No escuro. Encontro o teu voo noturno
E sei que , de teu farol e de tuas fotos
Azuis resta uma certeza:
Está se curando...
Ainda tem amor e mágoa em conflito,
Mas te peço um armistício.
Peço-te a mão e a vida inteira
Para que neste hiato possa pousar contigo
Em terreno plano, em braço amigo
No embalo suave de uma canção

O besouro, o anjo e a Rosa




Quero de verdade,
Conhecer todo o mistério
Desta Rosa lírica,
Como aliás, todas
Geralmente são.
Quero um defeito
De cada vez
Toda a Rosa em sachês
Mosaico, flor, coração

O cansaço dos teus olhos
Molhados
Um trago desesperado
Uma noite e a vida
Inteira
Na insegurança do braço
Em seu colo, no teu rastro
E não me manda partir
Me leva nos olhos ou na
Algibeira

Quero tua lembrança nova
E fugidia.
Seu olhar desconfiado
teu revoar bravio
De besouro flagrado
No ato,e que,
Voador nato,
Se defende partindo
Sem rastro
Ou destino
Pela noite afora

Quero a ansiedade e os
Despautérios
Desta Rosa rítmica,
Como jamais
Quis de outra igual

Quero toda a densidade,
E, um por um,
Cada disparate
Em confusões ciclícas
E sorvê-los rotos
E reciclá-los todos
Sem alarde
Para que não tardes
A se achar

Anjo, também sei voar
Mas não posso te seguir
(Não daqui)
Só resta sonhar que um golpe
(A sorte ou outro evento)
De vento, ou um feitiço
(Incoercível)
Do tempo,
Te faça parar


#ERA files

Comédia musical de início de século


Tem dias em que acordo com aquela vontade ‘macabra’ de estar no meio de uma comédia musical das décadas de 1930/40. Fazendo algo louco como puxar a Ginger do canto e do copo, e rodopiar em um daqueles salões imensos onde o Fred escalava paredes e cortinas com sua leveza irritante. Dar um ‘bico’ no Gene e mostrar à Debbie Reynolds todas as técnicas do meu ‘não - dançar’ clássico também está no cardápio.

O problema desses musicais é [sempre!] a síncope antes do happy end. Sufocante aquele momento ‘caia na real’. Passo. E dane-se o John Donne! Cancerianos não são e nunca serão ilhas! Uma amiga me ensinou que somos conchas, e como os irmãos bivalves, custamos a abrir e cobramos um alto preço por nossos tesouros. Só beijamos o rosto dos que nos são caros. Assim, os sinos dobram por nós, sempre!

A verdade é que ando como se estivesse meio tom abaixo. É isso: um homem diminuto, vivendo um arpejo interminável, achando que a vida se resolve como os cromatismos da Bossa. “Acabou nosso carnaval...”, e ainda assim parece que a ‘comediazinha’ é sonho recorrente.

Driblo as noites, insone, escalando a ‘encosta cor de laranja’. Chove em Salvador e eu com o pensamento no Marrocos: uma pianola, uma canção proibida e os olhos molhados da Srta. Lund. No player, Carlos Lyra conta a história de ‘Pobre menina rica’ – canta ‘Primavera’, covardia do início ao fim. Salve Vinícius!-. “Crianças cor de romã entram no vagão...”.

Reflexo vulgar, feliz acaso!

Encontrei o meu espelho mais nítido (leia-se reflexo) em uma esquina digital dessas que têm similares em qualquer lugar nesses tempos ácidos, em eras diferentes, inclusive (vide a má sorte do bíblico rei Davi quando resolveu pegar um arzinho e deu de cara com a mulher do soldado Urias...).

Essa projeção possuía detalhes espantosamente semelhantes aos contidos no interior deste invólucro terreno que me cobre. Era o tal reflexo cuja ausência Narciso sente e repudia quando decide visitar a Paulicéia. Mas esqueçamos SP, que esta esquina é litorânea e insone como o cheiro melancólico do mar logo de manhã.

Minha epifania notívaga surpreende-se tanto quanto eu, e passa a negar o hiato que se formou a partir de sua primeira aparição. Água e mel, por favor! Molhem-nos as bocas e nos permita partir para dentro de nossa concha!

Fui encontrado por meu reflexo a caminho de casa. Não era sombra nem sonho, parecia comigo e era meu oposto, mesmo não me reconhecendo de imediato. Mas era doce e irrequieta, e tinha um brilho novo nos olhos. E a música que escorria de seus dedos ecoava por toda a esquina digital.

Zumbiu na orelha quando alcançou o céu e voou para longe de minhas palavras frias e de uma vaga lembrança. Sou eu a imagem refletida no azul profundo. Eu vi o outro lado do tempo naqueles olhos e os meus também molharam. A perfeita união entre corda e pescoço passeia agora além dos tijolos amarelos, mas reluz de longe. Ouro, ouro, ouro!

Arquivos 'ERA'

Cancerianos: mel e água...

Não é bem tristeza...
É aquele momento que só a gente tem...
Que só a gente sabe...
Dá um choque no pescoço
E ficamos quietos no canto...

Às vezes agradeço de forma dramática
Como tocar a campainha
Após gritar insistentemente
Embaixo da janela
Do quarto

É quase como recriar o caos
Num vidro de conserva...
Tempestade em copo d'agua...
Nostalgia

Taí, "tantas você fez..."
Que agora, 'RIO', 'convulsivamente'...
Disso te culpo e cobro retratação
Imediata..

Casulos, conchas... EXAGERO...
Síntese da doçura canceriana
Escolha seu exoesqueleto,
Seu cofre, mergulhe
E volte!

(Colaboração instintiva e afetiva de Erica Rosa Allain)

Projeto quer trazer Antártica para escolas no Brasil

Irrequieta, a urbanista, arquiteta e doutora em engenharia ambiental, Roseane Simões Palavizini aparenta ser dessas pessoas que só param por um motivo especial. “Estou passando um período em Salvador por conta da gravidez”, diz a pesquisadora já no quinto mês de gestação. Em 2008, ela passou um período na estação de pesquisas do Brasil no continente antártico e resolveu trazer a experiência adquirida para o sistema de ensino brasileiro.

A urbanista integra o projeto Mabireh, que tem por objetivos ampliar a capacidade brasileira de coletar informações em ambientes extremos e de difícil acesso. Além disso, o grupo busca divulgar para o grande público, através de um estudo de educação e comunicação, a importância dessa região para a sobrevivência no planeta. Na antártica, Roseane realizou pesquisas para avaliar consciência dos integrantes da missão brasileira sobre a importância da região. “A maioria ainda desdenha da relevância da Antartica para o futuro da terra, diz”.

Mudanças climáticas - Creem os cientistas que a Antártica está diretamente ligada às mudanças climáticas que ocorrem na Terra, e que conhecer os efeitos dessas alterações é o primeiro passo para conscientizar as pessoas de que já passou da hora de mudar seus hábitos e sua forma de coexistir com o meio ambiente. “Queremos valorizar toda esta pesquisa e trazer como resposta para a sociedade brasileira que é a grande investidora do projeto”, conta Palavizini.

Os pesquisadores correm contra o tempo para realizar um levantamento dos resultados desses estudos e criar uma conexão com as mudanças ambientais e sua repercussão no Brasil e no planeta. “É preciso estruturar um programa de educação para a inclusão da Antártica na formação do cidadão brasileiro”, diz. Três décadas de ação - Seu trabalho está relacionado a uma perspectiva da pesquisa desenvolvida pelo Programa antártico brasileiro (Proantar) há mais de 27 anos, na Estação antártica comandante Ferraz, com a utilização do navio Ary Rongel e atividades de campo na baía do Almirantado, base de pesquisas aquáticas, terrestres e atmosféricas.

O projeto quer fazer parte do sistema formal de ensino, na forma de livros paradidáticos. Também trabalha com políticas públicas que incluem a sociedade através do planejamento ambiental em seu território. “Buscamos meios de inserir a sociedade na discussão sobre o meio. E tudo passa pela Educação e a Comunicação”, diz Palavizini.

Resultados - A pesquisa apresenta como resultado a proposta de duas estratégias para o desenvolvimento no Proantar. A primeira voltada à inclusão da transdisciplinaridade ao programa, promovendo a interação entre pesquisas e pesquisadores das diferentes áreas do conhecimento e entre as instituições participantes, facilitando o diálogo e a atuação integrada.

A segunda sugere um programa de educação e comunicação ligado ao Proantar, contemplando a produção de materiais e eventos educativos para a difusão das pesquisas antárticas, sua importância para o Brasil e para o planeta.
Isso, segundo Roseane, quando transportado para a realidade brasileira, ajudará a gerar uma maior consciência acerca das consequencias das ações individuais sobre a vida de todos. “É preciso começar com as crianças, para que já cresçam voltadas para este ideal”, afirma.

Os integrantes do Mabireh creem que a divulgação ajudará a difundir seus objetivos para um numero maior de pessoas. “Quanto mais esclarecida, mais a idéia se espalha. O brasileiro precisa perceber o quanto pode interferir no planeta e, como o que ocorre em um ponto distante pode interferir em sua vida. Assim se constrói a consciência global”, conclui Roseane.

Documentário? Enquanto adolescente agoniza, policial filma e ‘dirige’ a cena.

“Quando a realidade parece ficção, é hora de fazer documentários” (Frase do spot do programa DOC TV da TVE – BA)


Bairro de Cajazeiras XI, por volta das 22h de quinta-feira. Bastava adentrar no estacionamento central da Quadra ‘A’ para notar que havia algo estranho esta noite. Tinha um burburinho diferente na rua. Um misto de curiosidade, comoção, sadismo e alívio. É muito estranho ver tanta gente na rua, por aqui, para a primeira quinta pós carnaval. Ainda mais a esta hora.

O povo se reunia em torno de uma viatura da Polícia Militar. Alguns metros depois, se percebe o motivo de tanto alarde: uma pessoa estendida, ainda parcialmente encoberta pelos curiosos. Um jovem, nada mais que dezessete/dezoito anos. As mãos no peito, e, sobre ele, uma camisa vermelha, que, devido a pouca luminosidade era impossível determinar se era essa sua cor original ou se estava tingida de sangue. Sim, era sangue! Não mertiolate, molho de tomate ou qualquer outro artifício cênico.

- O que houve?

- ‘Derrubaram’ um ainda a pouco, disse o rapaz de olhos negros, fundos e levemente assustados (talvez pela sensação que todo ser humano tem ao ver alguém da sua faixa etária morrendo).

- É daqui?

- Não, acho que veio comprar por aqui e acabou baleado.

- Alguém viu o que aconteceu?

- Não sei, diz o garoto louro perto do corpo, mas acho que esse aí não levanta mais não!

De repente, da viatura desce um homem, impassível como qualquer pessoa minimamente acostumada a situações como essa. Em suas mãos uma filmadora portátil, daquelas que se encontra em qualquer liquidação nas piores lojas do ramo. Ele avança um pouco para perto da vítima, câmera em punho, gira em torno do jovem, depois fala ao colega no volante da viatura: dê uma volta e venha de frente como se ‘tivesse’ chegando agora! Da primeira vez não ficou boa (a tomada? Estão gravando um filme aqui e não contaram a ninguém?). "Isso!", continua.

- Eles devem estar gravando para mandar pra um desses programas da hora do almoço, exclama um garoto a certa distância.

A multidão não arreda pé da cena. Não era filme. Coisa melhor - realidade! O horror cotidiano parece interessar mais que a ficção. Todos parecem torcer por um desfecho. Difícil saber qual nesse momento.

Mais a frente um policial reformado, morador local, balança a cabeça e, com um ar reprovador se exaspera: eles não vão fazer nada? Que P... de procedimento é esse? Chamam o SAMU e tá resolvido? Quantas vezes [em situações como esta] eu já carreguei de próprio punho um ferido, em piores condições até, joguei na viatura e levei prum hospital? Tão esperando que morra?


O policial cinegrafista começa então a 'entrevistar' o garoto:


- Você é de onde hein?

- Da Fazenda Grande II, senhor, sussurra.

- Mora lá há muito tempo?

(Não deu para ouvir a resposta)

- Quem fez isso com você, ô menino?

- (tosse) Não sei não senhor!

As pessoas continuam cochichando em volta:

- vai morrer!

- Cadê o Samu, gente!?

- Ai meu Deus, pensei que fosse o Marquinhos!

- Nossa, quando ouvi o tiro saí correndo, mas não vi nada além do povo cercando o garoto.

- Ele veio daquele beco ali.

- É droga! Pois é, minha filha, deveu e não pagou, o tráfico cobra!

Dez e quinze e não é possível extrair muita coisa da situação. O policial continuava seu documentário particular. O povo a vomitar conjecturas acerca do ocorrido. Nada concreto. Fato mesmo só o adolescente estendido, peito num sobe-e-desce convulsivo, esperando socorro enquanto quem deveria dar o primeiro auxílio brincava de videomaker.

Já a certa distância, falta estomago [talvez coragem, não foi excesso de autopreservação] para retornar e esperar o desfecho ao lado da 'torcida', ou, no mínimo, anotar a placa do carro da PM, que, em vez de tomar uma providencia com o mínimo de humanidade esperada preferiu seguir o ‘procedimento' ligando para o serviço de ambulância popular de emergência.

As pessoas vão ficando menores, o burburinho mais distante até que mais um omisso enfia a chave no portão de casa, entra, tranca todas as fechaduras, se enfia embaixo do chuveiro, depois das cobertas, e dorme (ao menos tenta) esperando nunca entrar no seleto time de jovens negros da periferia que, culpados ou não, mal conseguem chegar com vida ao portão de casa para contar histórias como essa: sem desfecho, cheia de dúvidas, mas com uma única certeza: o fundo do poço ainda é mais distante do que se pensa!