e com a palavra...

O Teatro de Bonecos (considerações sobre a eleição de 31/10)



Neste domingo, 31/10, 135 milhões de brasileiros estão aptos a votar, e vão às urnas não apenas para escolher quem guiará o destino do país nos próximos quatro anos – o que já não é pouco -, como para decidir sobre um modelo de gestão, uma maneira específica de governar, que mais lhes agrada. A versão tucana, ou o modo petista.

É sempre bom lembrar que, em 2010, o Brasil completa 25 anos de democracia plena, após outros duros 25 anos de período de exceção. Nesse meio tempo tivemos a conturbada fase de transição do governo Sarney e seus tresloucados planos econômicos e o famigerado tabelamento de preços que surgiam inesperados como gripe.

Em 1989 ocorreu a primeira eleição livre para presidente após o regime militar. Surge daí o cometa Fernando Collor, propondo dar uma cara nova à política nacional. A cara era nova, mas os hábitos eram bem conhecidos dos brasileiros. #Fail!

Outro período de transição: O governo Itamar, que os brasileiros lembram muito pelo topete, pelo fusca e a calcinha da Lilian Ramos (que ninguém viu até hoje), não necessariamente nessa ordem. Ah, e tinha o plano real, proposto por uma equipe formada pelo então Ministro da Fazenda: Fernando Henrique Cardoso.

Daí, os eleitores resolveram bancar o rei Salomão e deram carta branca a FHC por 8 anos e, em contrapartida, concederam ao petista Lula o mesmo privilégio.

Governos parecidos, com ênfase na política econômica. Se um privatizava de lá, o outro respondia de cá. O congresso nacional passou a ser moeda de troca, valia muito, e foi “muito bem pago” por isso. Escândalos de ambos os lados e agora o povo é chamado a decidir entre iguais com embalagens diferentes.


Daqui sairá o vencedor neste domingo, não tenha dúvida!

O Brasil não estará votando em Dilma ou Serra neste domingo, mas nas figuras à sombra: Lula e FHC. Se o títere vencedor terá fôlego para governar sem a mão do bonequeiro só o futuro dirá.

O eleitor está avisado: este entrevero acaba neste domingo. A não ser que caia algum meteoro mequetrefe sobre nossas cabeças até lá, teremos que conviver com essa escolha por, pelo menos, quatro anos. E não há bexiga d’água ou bolinha de papel que dê jeito caso algo não saia como esperado. O palco é o mesmo, são os mesmos atores, e cabe ao eleitor a decisão final: fogo ou frigideira. Boa sorte!

Não sei por que, mas uma brisa me coça a orelha dizendo que os verdadeiros bonecos somos nós...

Ode ao deputado Tiririca (Abestados somos nós)


Candidato-palhaço
Homem sério é candidato
A sopapo
Melhor ser um cômico-político
Que político palhaço
Candidato, palha e aço
Vivendo longe dos olhos
Num salto
De picadeiro em picadeiro
Descalço
Da última lágrima ao primeiro riso
Sobressaltos
Seguindo passo a passo até o derradeiro palco

Quem, afinal, Colombina, diz o choroso Pierrô, é o abestado?
- Quem ri por último, ri vingado!

Recado de Primavera


Que o mestre Braga seja meu porta-voz para os irmãos de sangue, copo e cruz nesse dia do poeta! Aos bardos, com carinho!

Meu caro Vinicius de Moraes: Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera — acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris.

O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para ele pôr seus ovos.

Isto é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e manacás em flor; e em cada mocinha loira, uma esperança de Vera Fischer. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui — a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus.

Rubem Braga - Setembro, 1980

Mensagem a Rubem Braga
Os doces montes cônicos de feno
(Decassílabo solto num postal de Rubem Braga, da Itália.)

A meu amigo Rubem Braga
Digam que vou, que vamos bem: só não tenho é coragem de escrever
Mas digam-lhe. Digam-lhe que é Natal, que os sinos
Estão batendo, e estamos no Cavalão: o Menino vai nascer
Entre as lágrimas do tempo. Digam-lhe que os tempos estão duros
Falta água, falta carne, falta às vezes o ar: há uma angústia
Mas fora isso vai-se vivendo. Digam-lhe que é verão no Rio
E apesar de hoje estar chovendo, amanhã certamente o céu se abrirá de azul
Sobre as meninas de maiô. Digam-lhe que Cachoeiro continua no mapa
E há meninas de maiô, altas e baixas, louras e morochas
E mesmo negras, muito engraçadinhas. Digam-lhe, entretanto
Que a falta de dignidade é considerável, e as perspectivas pobres
Mas sempre há algumas, poucas. Tirante isso, vai tudo bem
No Vermelhinho. Digam-lhe que a menina da Caixa
Continua impassível, mas Caloca acha que ela está melhorando
Digam-lhe que o Ceschiatti continua tomando chope, e eu também Malgrado uma avitaminose B e o fígado ligeiramente inchado.
Digam-lhe que o tédio às vezes é mortal; respira-se com a mais extrema
Dificuldade; bate-se, e ninguém responde. Sem embargo
Digam-lhe que as mulheres continuam passando no alto de seus saltos, e a moda das saias curtas
E das mangas japonesas dão-lhes um novo interesse: ficam muito provocantes.
O diabo é de manhã, quando se sai para o trabalho, dá uma tristeza, a rotina: para a tarde melhora.
Oh, digam a ele, digam a ele, a meu amigo Rubem Braga
Correspondente de guerra, 250 FEB, atualmente em algum lugar da Itália
Que ainda há auroras apesar de tudo, e o esporro das cigarras
Na claridade matinal. Digam-lhe que o mar no Leblon
Porquanto se encontre eventualmente cocô boiando, devido aos despejos
Continua a lavar todos os males. Digam-lhe, aliás
Que há cocô boiando por aí tudo, mas que em não havendo marola
A gente se agüenta. Digam-lhe que escrevi uma carta terna
Contra os escritores mineiros: ele ia gostar. Digam-lhe
Que outro dia vi Elza-Simpatia-é-quase-Amor. Foi para os Estados Unidos
E riu muito de eu lhe dizer que ela ia fazer falta à paisagem carioca
Seu riso me deu vontade de beber: a tarde
Ficou tensa e luminosa. Digam-lhe que outro dia, na Rua Larga
Vi um menino em coma de fome (coma de fome soa esquisito, parece
Que havendo coma não devia haver fome: mas havia).
Mas em compensação estive depois com o Aníbal
Que embora não dê para alimentar ninguém, é um amigo. Digam-lhe que o Carlos
Drummond tem escrito ótimos poemas, mas eu larguei o Suplemento. Digam-lhe que está com cara de que vai haver muita miséria-de-fim-de-ano
Há, de um modo geral, uma acentuada tendência para se beber e uma ânsia
Nas pessoas de se estrafegarem. Digam-lhe que o Compadre está na insulina
Mas que a Comadre está linda. Digam-lhe que de quando em vez o Miranda passa
E ri com ar de astúcia. Digam-lhe, oh, não se esqueçam de dizer
A meu amigo Rubem Braga, que comi camarões no Antero
Ovas na Cabaça e vatapá na Furna, e que tomei plenty coquinho
Digam-lhe também que o Werneck prossegue enamorado, está no tempo
De caju e abacaxi, e nas ruas
Já se perfumam os jasmineiros. Digam-lhe que têm havido
Poucos crimes passionais em proporção ao grande número de paixões
À solta. Digam-lhe especialmente
Do azul da tarde carioca, recortado
Entre o Ministério da Educação e a ABI. Não creio que haja igual
Mesmo em Capri. Digam-lhe porém que muito o invejamos
Tati e eu, e as saudades são grandes, e eu seria muito feliz
De poder estar um pouco a seu lado, fardado de segundo-sargento. Oh
Digam a meu amigo Rubem Braga
Que às vezes me sinto calhorda mas reajo, tenho tido meus maus momentos
Mas reajo. Digam-lhe que continuo aquele modesto lutador
Porém batata. Que estou perfeitamente esclarecido
E é bem capaz de nos revermos na Europa. Digam-lhe, discretamente,
Que isso seria uma alegria boa demais: que se ele
Não mandar buscar Zorinha e Roberto antes, que certamente
Os levaremos conosco, que quero muito
Vê-lo em Paris, em Roma, em Bucareste. Digam, oh digam
A meu amigo Rubem Braga que é pena estar chovendo aqui
Neste dia tão cheio de memórias. Mas
Que beberemos à sua saúde, e ele há de estar entre nós
O bravo Capitão Braga, seguramente o maior cronista do Brasil
Grave em seu gorro de campanha, suas sobrancelhas e seu bigode circunflexos
Terno em seus olhos de pescador de fundo
Feroz em seu focinho de lobo solitário
Delicado em suas mãos e no seu modo de falar ao telefone
E brindaremos à sua figura, à sua poesia única, à sua revolta, e ao seu cavalheirismo
Para que lá, entre as velhas paredes renascentes e os doces montes cônicos de feno
Lá onde a cobra está fumando o seu moderado cigarro brasileiro
Ele seja feliz também, e forte, e se lembre com saudades
Do Rio, de nós todos e ai! de mim.

(Vinícius de Moraes)

Vinícius: 97 anos


"Quem pagará o enterro e as flores/ Se eu me morrer de amores?" (Vinicius de Moraes)

“Que seja eterno enquanto dure!” profetizou o Poetinha em um de seus poemas mais conhecidos. E como uma estrela, que brilha ainda mais após encerrar as atividades, o homem que dedicou sua vida às mulheres, à alegria, à canção e ao bem-viver continua sendo o NOSSO poeta. Nosso e das “meninas de bicicletas” que fagueiras passeiam no calçadão.

Diplomata, poeta, cantor, compositor, homem, moleque, tantas são as faces de Vinícius que seria preciso um poema por dia para cantá-lo com pompa e justiça. Um homem que foi capaz de enfrentar um sistema autoritário, afrouxar o nó da gravata, subir o morro e cair no samba merecia viver para sempre.

No entanto, diga-me, caberia Vinícius neste mundo frio e amante das coisas frívolas, dos amores virtuais? Viveria ele sem a carne fresca e as coxas cálidas que tanto amava?

Poeta virtuoso, mas pouco lido, descobriu-se compositor. Deitou e rolou ao lado de Tom Jobim, seu parceiro maior, Edu Lobo, Carlos Lyra, Baden Powell e Toquinho. Daí veio o Orfeu Negro, e Camus... e a Palma de Ouro em Cannes. A Bossa Nova, os Afro-Sambas, a Garota de Ipanema, “tantas fez o moço....”. Vinícius já era globalizado antes mesmo do termo fecundar a mente dos teóricos da nova ordem.

Filho de Xangô, embaixador do Principado de Itapuã, a pomba branca retornou aos céus em 9 de julho de 1980, mas não saiu dos corações apaixonados. Dizia que era preciso respeitar a alegria e a tristeza e daí todas as outras coisas surgiam.

Marcus Vinicius de Melo Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913 no Rio de Janeiro. Estudou direito no Rio e Literatura em Oxford. Amava tanto o cinema, tendo sido crítico e censor cinematográfico, amigo de Orson Welles. Ingressou na carreira diplomática em 1943, mas a poesia e o samba falaram mais alto, e depois de algumas rugas com os militares acabou deixando de lado uma bela carreira no Itamaraty para viver do jeito que gostava, ao lado dos amigos, das mulheres e da música. “Eu não ando só, só ando em boa companhia. Com meu violão, minha canção e a poesia.”.

E, como dizia o poeta:

“É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração... porque o samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”

A benção, Vinícius, Saravá!