e com a palavra...

O Fígado e a Raiva


Pessoas de mau humor me irritam. Efeito bumerangue? Talvez. Certos cretinos deveriam sair de casa com um colar de sal de frutas pendurado no pescoço. Olha aqui, se pretende destruir seu fígado antes da hora, criatura, use algo mais adequado e nobre. Bebe até estourar o coitado, contrai uma hepatite C, mas conserve o bom e o médio humor dos outros. (aliás, a palavra ‘contrair’ sempre me remete ao matrimônio. de forma negativa, claro. Como algo que se ‘contrai’ pode fazer bem a alguém? Nunca vi um portador de herpes labial saltitando de felicidade porta afora).

Nada mais desgastante e broxante que alguém que não sabe retribuir um sorriso. Pior ainda, são os que respondem com um sonoro: "o que foi, c@#%*ho????". Não quero, com isso, dizer que devemos sorrir de tudo como imbecis desvairados, babões ou lunáticos [os autodestrutivos] (ressalva quanto à última palavra [lunáticos], que, a meu ver deveria ser sinônimo de coisas boas). Mas, não custa nada [ou quase nada] a ninguém ser cordato e gentil.

A irritação alicia e é contagiante. No trânsito, utilizando o exemplo mais comum possível, vira uma reação em cadeia. Um engraçadinho troca de faixa na maior cara de pau, assim que surge uma chance, trava a rua, e o motorista de trás, comportado até então, dá o start para a balbúrdia. Toca a buzina (aquelas temáticas – de bois, cachorros e mulheres gemendo - são de matar) e o seguinte repete, e o outro, e mais um... pronto! A zona está oficializada.

Condutores de coletivos são mestres na arte de fazer o fígado ferver. Param fora dos pontos, ou não param quando solicitados, correm feito loucos quando atrasados e se arrastam feito lesmas quando lhes dá na telha. São os ‘donos da rua’. Insuperáveis na provocação.

Motoristas de ‘buzú’ parecem amar quando um passageiro ‘desocupado’ que, precisa chegar a alguma reunião que decidirá sua vida (dessas que acontecem toda semana, e que nunca decidem nada no final, mas te deixa ‘F...’ de apreensivo e louco por um Actívia) emite sons impossíveis de serem decifrados [ou tão toscos e de baixo calão que preferimos não repetir], no fundo do coletivo. O condutor se delicia e, quando num engarrafamento então, procura a faixa mais complicada para trafegar. Escroto!

As atendentes de call center são criaturas ‘abençoadas’, que devem dormir como recém-nascidos e imberbes, as miseráveis. Impressionante como existem pessoas que não conseguem decorar uma receita de bolo, mas aquela cartilha que parece ter sido ditada pelo próprio Lúcifer escorre como um adocicado ‘bom dia’ daquelas bocas moles munidas de vozes encantadoras. Haja sal de frutas para aturar. Um hepatologista deve ganhar muito por cada fígado recauchutado.

Definitivamente amo as recepcionistas de edifícios comerciais e, sobretudo, atendentes de lojas de roupas. As primeiras são campeãs da indiscrição e do constrangimento público. Adoram perguntar mais do que lhes é devido, quando o cidadão decide cometer a bobagem de escolher um dentista cujo consultório está panoramicamente instalado no 14º andar do prédio ‘DELAS’.

É fogo! Todos na recepção precisam saber que você comeu doce demais na infância e que, agora, tem um movimento revolucionário em sua boca querendo tomar o poder derrubando um dente por vez como o exército de Napoleão treinando sua artilharia nas relíquias arquitetônicas do Egito.

As vendedoras são um caso à parte, hoje não é mais possível entrar em qualquer loja, de roupas então, nem pensar, sem ser abordado (geralmente de maneira assustadora, por trás e na maldade) com a frase: “posso ajudar, senhor? ’. Não percebem que, às vezes, nosso interesse é apenas olhar, passar o tempo, ou até mesmo dar uma espiadela nos decotes e minissaias das atendentes para um detalhado julgamento posterior?

Credo em cruz! Creio que um pote de sal de frutas (com sabor laranja, óbvio) bem guardado na mochila já não acalma fígados em ebulição. Definitivamente, odeio gente que se irrita com facilidade. Pessoas que acordam com a ‘pá virada’ me deprimem e extraem meu humor de maneira tão absurda que chego duvidar que sejam reais. Devem ser comediantes de stand up etnólogos aplicando suas teorias in loco.

Aí, meus caros, a única via aceitável, nesta situação catastrófica, é socar goela adentro um combo de Actívia com Limonada purgativa. Para mim, um litro, por favor! Gelada!

Desaforo para uma amiga que dorme


"Ah! Se ao menos ao fim dos meus passos incertos,
eu tivesse por cruz os teus braços abertos!". (Aos pés da cruz - Guilherme de Almeida)


A alma é indócil e dispersa
Cara amiga!
A alma é nossa inimiga
E a amiga mais doce
E Feroz
E pior: só notamos
Quando já é tarde!
A alma é um campeão covarde!

Dorme, ou apenas tenta.
Que no fim a brisa passa...
É verdade.
Resta uma dorzinha
Retardatária, suave
Mas, como os sinais
Das crianças, na mata...
...Perdidas...
São só migalhas!

Vem chegando aquela hora
Inevitável
De recolher as armas
De trancar bem os armários
Para ter com o que batalhar
Na guerra de amanhã.
Então, recua e descansa.
Rosa solar...
Volta pra casa!

Vem, mas vem depressa!
Vem entender o que passa
Vem para recomeçar.
Porque eu já te conhecia
Mesmo quando tua ânsia
Era uma doce criança
E teus medos
Ainda não existiam
Nem teu nome de rocha
Sempre poderosa
Nem o mar, nem o mar
Não havia
Nem o meu canto
Nem tuas asas
Não havia nada
E o mundo era frio
E sem vida
Pois não havia você

E o sono não vem
Porque você é como um sonho...
Que some de manhã...
E mora bem longe
Muito longe
Lá onde só chegam os pássaros
E os insetos de casca grossa
No cantinho escuro de tua alma
Iluminada
No casulo de pedra
De minha poesia
Que canta
Vem e me diz que
Não são palavras vazias
Que não sou letra morta
Diz que você, às vezes
Se importa
Com este poeta torto
E com sua sanidade
Equilibrista
Diz, em uma ou duas linhas
Dá ao cão farejador
Um sinal
Uma palavra
Um motivo maior que o amor
Deste poema-pista