e com a palavra...

140 caracteres


E se a vida se resumisse a 140 caracteres?
Isso já me assustava quando surgiu o SMS.
E agora?

E se fizermos de nossa vida uma história
Que se possa contar em apenas
140 toques no teclado?
Precisamos trabalhar tanto assim nosso 'poder' de síntese?
Sintetizar explica/resolve tudo?

E se a magia que emana de você se resumir a esse número fatal?
Encerra-se o assunto?
E se der para contar duas histórias em uma só mensagem?
Será que vai doer? Fecha a janela, senão lhe escapam as palavras.

É só isso!
Afinal, o que se tem a dizer? Não há rima que resista
Ao poder da edição compulsória.
É assim?
O que será dos insetos, da Rosa...
Dos amores?

O amor, como a vodka barata, meu bem,congela
Se não for consumido a tempo.
Espera!
Diz...
Você consegue amar com apenas cento e quarenta toques?

Semana Santa mestiça na capital da província


A Semana Santa na Cidade da Bahia apresenta, não sei precisar a partir de quando, no que tange ao que é servido à mesa, certas peculiaridades.

Vale salientar que, até por não frequentar, nem saber, senão por comentários daqui e dali, de amigos curiosos ou fidalgos, as varandas dos paços coloniais e, consequentemente, os banquetes da corte soteropolitana, não posso, com total conhecimento e riqueza de detalhes, dizer quais são as iguarias servidas após as intermináveis discussões sobre o futuro político da terra, e, uma ou outra vez, a respeito de certa moça que, em trajes provocantes, e, dissimulada ou não, chama a atenção dos convidados, e atiça o ciúme das senhoras.

Conheço a mesa da plebe. Eu e meu avô, o velho Mário, que é um exímio pescador de feriados e conhecedor profundo da arte do preparo da boa moqueca, que, com o perdão dos amigos capixabas, nada tem a ver com seu homônimo, que mais parece um escabeche feito às pressas. Chamem de peixada, não me importo. A técnica e os ingredientes são praticamente os mesmos. Mas, sem dendê, amigo, “nem mesmo a cor existe! E o amor? Nem mesmo o amor existe...”.

A ceia baiana transita pelo regional. É um dos indicativos de nossa miscigenação. Doce expressão do que chamamos sincretismo.

Do cento de quiabo cortado em pedacinhos, ao pão embebido em leite de coco, em cujo caldo adiciona-se camarão, castanha de caju, cebola, cheiro verde, amendoim, gengibre e dendê - o vatapá -, até o peixe, em seu último mergulho no azeite, aguardando, impaciente, o leite de coco e a última prova de sal.

O arroz de coco, para os apaixonados. Confesso ainda preferir o comum, branco e soltinho. Um rompimento à tradição, que não há de cobrar rigidez ao paladar. Não esta semana.

A mesa baiana na Semana Santa é um palco de misturas. O bacalhau, iguaria difundida na província pelos portugueses, mistura-se à cozinha africana como o café, o cigarro e o conhaque aos que escrevem de madrugada. Uns trazem consigo ainda a devoção às divindades a quem os pratos são dedicados. Outros ainda se entregam à gula dionisíaca, ao furor insano de degustar o feijão doce na mesma empreitada em que a moqueca é meticulosamente devorada.

Religiosa ou não, há, mesmo na voragem pagã, certa liturgia implícita.

E o vinho. Aliás, não tenho notícia de povo que celebre o sangue do Homem tão bem quanto os de cá. Não digo somente os nativos, mas os que habitam esta terra, vindos de outras realidades. O vinho aqui se converte em água, tal a fúria com a qual é consumido, sorvido como néctar em coxas sonâmbulas.

Depois, resta a rede, o violão, a poesia praieira e a pele macia da morena a se aconchegar – quase sempre reclamando que comeste demasiado, bebeste além da conta e, que insultou algum dos presentes -, normalmente um daqueles primos folgados que insiste em tirar todas as damas para dançar, inclusive as que rejeitam o convite.

Diz também que já é hora de ir, pois, (sei que esqueci de mencionar antes, mas a melhor ceia é aquela apreciada em casa alheia, serve até a da sogra, não importa) com tanta gente bêbada nas ruas, não é, definitivamente, um bom dia para sair tarde de qualquer lugar.