e com a palavra...

Projeto quer trazer Antártica para escolas no Brasil

Irrequieta, a urbanista, arquiteta e doutora em engenharia ambiental, Roseane Simões Palavizini aparenta ser dessas pessoas que só param por um motivo especial. “Estou passando um período em Salvador por conta da gravidez”, diz a pesquisadora já no quinto mês de gestação. Em 2008, ela passou um período na estação de pesquisas do Brasil no continente antártico e resolveu trazer a experiência adquirida para o sistema de ensino brasileiro.

A urbanista integra o projeto Mabireh, que tem por objetivos ampliar a capacidade brasileira de coletar informações em ambientes extremos e de difícil acesso. Além disso, o grupo busca divulgar para o grande público, através de um estudo de educação e comunicação, a importância dessa região para a sobrevivência no planeta. Na antártica, Roseane realizou pesquisas para avaliar consciência dos integrantes da missão brasileira sobre a importância da região. “A maioria ainda desdenha da relevância da Antartica para o futuro da terra, diz”.

Mudanças climáticas - Creem os cientistas que a Antártica está diretamente ligada às mudanças climáticas que ocorrem na Terra, e que conhecer os efeitos dessas alterações é o primeiro passo para conscientizar as pessoas de que já passou da hora de mudar seus hábitos e sua forma de coexistir com o meio ambiente. “Queremos valorizar toda esta pesquisa e trazer como resposta para a sociedade brasileira que é a grande investidora do projeto”, conta Palavizini.

Os pesquisadores correm contra o tempo para realizar um levantamento dos resultados desses estudos e criar uma conexão com as mudanças ambientais e sua repercussão no Brasil e no planeta. “É preciso estruturar um programa de educação para a inclusão da Antártica na formação do cidadão brasileiro”, diz. Três décadas de ação - Seu trabalho está relacionado a uma perspectiva da pesquisa desenvolvida pelo Programa antártico brasileiro (Proantar) há mais de 27 anos, na Estação antártica comandante Ferraz, com a utilização do navio Ary Rongel e atividades de campo na baía do Almirantado, base de pesquisas aquáticas, terrestres e atmosféricas.

O projeto quer fazer parte do sistema formal de ensino, na forma de livros paradidáticos. Também trabalha com políticas públicas que incluem a sociedade através do planejamento ambiental em seu território. “Buscamos meios de inserir a sociedade na discussão sobre o meio. E tudo passa pela Educação e a Comunicação”, diz Palavizini.

Resultados - A pesquisa apresenta como resultado a proposta de duas estratégias para o desenvolvimento no Proantar. A primeira voltada à inclusão da transdisciplinaridade ao programa, promovendo a interação entre pesquisas e pesquisadores das diferentes áreas do conhecimento e entre as instituições participantes, facilitando o diálogo e a atuação integrada.

A segunda sugere um programa de educação e comunicação ligado ao Proantar, contemplando a produção de materiais e eventos educativos para a difusão das pesquisas antárticas, sua importância para o Brasil e para o planeta.
Isso, segundo Roseane, quando transportado para a realidade brasileira, ajudará a gerar uma maior consciência acerca das consequencias das ações individuais sobre a vida de todos. “É preciso começar com as crianças, para que já cresçam voltadas para este ideal”, afirma.

Os integrantes do Mabireh creem que a divulgação ajudará a difundir seus objetivos para um numero maior de pessoas. “Quanto mais esclarecida, mais a idéia se espalha. O brasileiro precisa perceber o quanto pode interferir no planeta e, como o que ocorre em um ponto distante pode interferir em sua vida. Assim se constrói a consciência global”, conclui Roseane.

Documentário? Enquanto adolescente agoniza, policial filma e ‘dirige’ a cena.

“Quando a realidade parece ficção, é hora de fazer documentários” (Frase do spot do programa DOC TV da TVE – BA)


Bairro de Cajazeiras XI, por volta das 22h de quinta-feira. Bastava adentrar no estacionamento central da Quadra ‘A’ para notar que havia algo estranho esta noite. Tinha um burburinho diferente na rua. Um misto de curiosidade, comoção, sadismo e alívio. É muito estranho ver tanta gente na rua, por aqui, para a primeira quinta pós carnaval. Ainda mais a esta hora.

O povo se reunia em torno de uma viatura da Polícia Militar. Alguns metros depois, se percebe o motivo de tanto alarde: uma pessoa estendida, ainda parcialmente encoberta pelos curiosos. Um jovem, nada mais que dezessete/dezoito anos. As mãos no peito, e, sobre ele, uma camisa vermelha, que, devido a pouca luminosidade era impossível determinar se era essa sua cor original ou se estava tingida de sangue. Sim, era sangue! Não mertiolate, molho de tomate ou qualquer outro artifício cênico.

- O que houve?

- ‘Derrubaram’ um ainda a pouco, disse o rapaz de olhos negros, fundos e levemente assustados (talvez pela sensação que todo ser humano tem ao ver alguém da sua faixa etária morrendo).

- É daqui?

- Não, acho que veio comprar por aqui e acabou baleado.

- Alguém viu o que aconteceu?

- Não sei, diz o garoto louro perto do corpo, mas acho que esse aí não levanta mais não!

De repente, da viatura desce um homem, impassível como qualquer pessoa minimamente acostumada a situações como essa. Em suas mãos uma filmadora portátil, daquelas que se encontra em qualquer liquidação nas piores lojas do ramo. Ele avança um pouco para perto da vítima, câmera em punho, gira em torno do jovem, depois fala ao colega no volante da viatura: dê uma volta e venha de frente como se ‘tivesse’ chegando agora! Da primeira vez não ficou boa (a tomada? Estão gravando um filme aqui e não contaram a ninguém?). "Isso!", continua.

- Eles devem estar gravando para mandar pra um desses programas da hora do almoço, exclama um garoto a certa distância.

A multidão não arreda pé da cena. Não era filme. Coisa melhor - realidade! O horror cotidiano parece interessar mais que a ficção. Todos parecem torcer por um desfecho. Difícil saber qual nesse momento.

Mais a frente um policial reformado, morador local, balança a cabeça e, com um ar reprovador se exaspera: eles não vão fazer nada? Que P... de procedimento é esse? Chamam o SAMU e tá resolvido? Quantas vezes [em situações como esta] eu já carreguei de próprio punho um ferido, em piores condições até, joguei na viatura e levei prum hospital? Tão esperando que morra?


O policial cinegrafista começa então a 'entrevistar' o garoto:


- Você é de onde hein?

- Da Fazenda Grande II, senhor, sussurra.

- Mora lá há muito tempo?

(Não deu para ouvir a resposta)

- Quem fez isso com você, ô menino?

- (tosse) Não sei não senhor!

As pessoas continuam cochichando em volta:

- vai morrer!

- Cadê o Samu, gente!?

- Ai meu Deus, pensei que fosse o Marquinhos!

- Nossa, quando ouvi o tiro saí correndo, mas não vi nada além do povo cercando o garoto.

- Ele veio daquele beco ali.

- É droga! Pois é, minha filha, deveu e não pagou, o tráfico cobra!

Dez e quinze e não é possível extrair muita coisa da situação. O policial continuava seu documentário particular. O povo a vomitar conjecturas acerca do ocorrido. Nada concreto. Fato mesmo só o adolescente estendido, peito num sobe-e-desce convulsivo, esperando socorro enquanto quem deveria dar o primeiro auxílio brincava de videomaker.

Já a certa distância, falta estomago [talvez coragem, não foi excesso de autopreservação] para retornar e esperar o desfecho ao lado da 'torcida', ou, no mínimo, anotar a placa do carro da PM, que, em vez de tomar uma providencia com o mínimo de humanidade esperada preferiu seguir o ‘procedimento' ligando para o serviço de ambulância popular de emergência.

As pessoas vão ficando menores, o burburinho mais distante até que mais um omisso enfia a chave no portão de casa, entra, tranca todas as fechaduras, se enfia embaixo do chuveiro, depois das cobertas, e dorme (ao menos tenta) esperando nunca entrar no seleto time de jovens negros da periferia que, culpados ou não, mal conseguem chegar com vida ao portão de casa para contar histórias como essa: sem desfecho, cheia de dúvidas, mas com uma única certeza: o fundo do poço ainda é mais distante do que se pensa!