e com a palavra...

Observações sobre um jornal que, investindo na tradição e dando voz aos leitores, redescobre caminhos para comunicar e vender

“Inovar pode também pressupor investir na simplicidade”

Um jornal precisa sobreviver, e, para tanto, é imperativo ter, além de competência idoneidade e conteúdo, algum apelo comercial. Aprofundar questões relevantes e ter capacidade para abordar assuntos suaves, quando necessário, juntamente com um bom projeto gráfico, a ousadia de arriscar e a destreza para captar recursos, são os componentes que o auxiliam a comunicar e vender harmoniosamente.
Durante o carnaval de 2009, A TARDE apostou no diferencial e ousou. A concepção gráfica baseou-se no tema da festa deste ano, em Salvador: o afoxé Filhos de Gandhy. A referência foi exposta em forma de ilustrações do mais conhecido símbolo da entidade – o colar de contas brancas e azuis.
Os desenhos da peça circundavam as páginas das edições dos dois primeiros cadernos, que, fugindo da seriedade habitual e, mesclando cores variadas com o tradicional bicolorido (preto e branco), levou a festa ao leitor. Com isso, ficou um passo à frente da concorrência, o que deve ter resultado em boas respostas no setor comercial.
As fotografias das edições neste período buscavam transportar o ambiente carnavalesco para o sofá da sala de estar dos leitores. Diferente de imagens de flagrantes escandalosos, ou divulgando ações governamentais, os cadernos priorizaram o que já era difícil de retirar da cabeça dos baianos. Querendo ou não, amando ou odiando o carnaval, desprezar sua presença seria impossível. O jornal se propôs a mostrar o óbvio por diferentes ângulos.
No decorrer do delírio momesco, todo primeiro caderno se ocupou da festa. É preciso ressaltar a audácia do jornal em mudar o foco das reportagens, colocando, a cada dia, um repórter diferente em situações peculiares, aclimatando-o aos festejos, contando, de maneira particular, “seu dia no carnaval”.
Foi uma decisão acertada. Este tipo de ação aproxima o veículo do consumidor de notícias, e deixa de lado aquela sensação de que a informação é algo que deve ser passado com frieza. Ações assim também conseguem traduzir o “real” da festa. A sensação que a notícia habitual tenta transmitir, mas, que, pelo caráter às vezes sisudo de sua confecção, se torna mais difícil.
Outro aspecto que foge radicalmente do costumeiro, até por que não caberia em um sistema usual de difusão de informações, é a seção “Diário do rei”, que, através de comentários enviados pelo próprio Rei Momo, nesta temporada, o cantor Gerônimo, narrava ao leitor as peripécias que envolviam o cotidiano de “Sua Majestade”.
Os “fatos sérios” e outras notícias que fugiam à temática foram relegados a outros cadernos. Compreensível, sob uma visão comercial. Ora, conceder menor atenção ao espetáculo em uma cidade que, por onze meses, aguarda ansiosa este acontecimento, e que, consegue vivê-la já um mês antes, seria cometer suicídio mercadológico. Não seria coerente estampar manchetes sobre crimes ou uma nova alta nas taxas de juros nesta ocasião.
Maior contemplado nas edições, o leitor ganhou, além dos habituais espaços de cartas que, diariamente, lhe é conferido, novos meios de expressar suas impressões sobre a festa. A seção “deixa que eu conto” se iniciava convidando: o importante é participar e, sem sair da condição de folião, contar o que acontece no circuito. Habilmente o jornal traz o leitor para perto. Cria maior intimidade. O cidadão se descobre parte ativa do veículo, confia nele, portanto, mantém a fidelidade e, ainda, o divulga.
O jornal habitual traz textos longos, que descrevem os fatos com minúcia. Segue dogmaticamente as regras dos manuais das redações. No entanto, neste período festivo, A TARDE se permitiu usar textos opinativos, tendo a celebração como objeto principal. O jornal buscou “ouvir a rua”, ou seja, o leitor.
É preciso salientar que, em uma festividade de tamanhas proporções, as pessoas não vão para casa, às seis da manhã, preocupadas em se enveredar por textos de grandes dimensões contando, detalhadamente, fatos novos sobre a crise econômica. Desejam algo mais leve para digerir. Não descartam, evidentemente, notícias sérias, contanto que estas cheguem de forma simplificada.
Os títulos seguem a “temática da alegria”. Enquanto, nos “dias comuns”, são diretos, frios, circunspectos, no carnaval foram utilizados com caráter lúdico, aludindo sempre às referências da festa. Isso facilita a recepção por parte do consumidor e pelos anunciantes, que buscam, até e inclusive, em um jornal, o que de melhor esta festa pode oferecer. Demonstrando que, acima de tudo, mesmo partindo de um veículo tradicional, inovar pode também pressupor investir na simplicidade, para, ao mesmo tempo, vender e comunicar.

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