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O carnaval visto a partir dos quadris de uma mulata que descia a ladeira


“Se fosse por mim, todo mundo andava sambando assim, nesse passo passando, porque nada mais bonito que um brasileiro pé duro, representante da raça, descendo num samba, a ladeira da praça” (Morais e Galvão)

Por: Carlos Eduardo

Das ruas, ladeiras, esquinas e becos de Salvador vieram baianas de saias rodadas, exibindo o bordado das sandálias e convidando os mortais para sambar. E o povo foi. Quem não iria? Neste clima lascivo, e não dava para ser diferente, deu-se início ao carnaval no Centro da cidade. Na “Avenida”, como chama, carinhosamente, o soteropolitano à Avenida Sete de Setembro.
Os afoxés ou candomblés de rua, capitaneados pelo Filhos de Gandhy, que, neste carnaval, completou 60 anos de atividades, foram os grandes homenageados da festa de Momo. No entanto, a cena na Cidade Alta foi tomada de assalto pelo samba, que, representado por algumas de suas maiores expressões, samba-exaltação, samba-enredo, pagode, samba-de-roda entre elas, voltou a ser destaque.
Em entrevista cedida ao programa Soteropólis da TV Educadora da Bahia (TVE), exibida na noite de 26 de fevereiro, o sambista Roberto Mendes confirmou que o apoio do governo do estado veio suprir uma necessidade do carnaval baiano em preservar suas raízes.
O governo estadual, através do programa “Carnaval Ouro Negro”, investiu, já pelo segundo ano seguido, recursos para garantir os desfiles de entidades de matriz africana (afoxés, blocos de samba, de reggae, de índios e de percussão). Tendo o número de organizações beneficiadas aumentado de 104 em 2008, para 117 este ano. Os recursos variam, de acordo com o site da secretaria estadual de cultura, de R$ 15 a R$ 100 mil, num total de R$ 4,2 milhões. O critério adotado para garantir o repasse foi a prestação de contas por parte de cada entidade.
Nascido na Bahia ou não, o samba traz a poesia, a alegria e o lamento como antagonismos necessários à sua existência. Hoje ele é universal. Que diriam Donga e Mauro Almeida, autores de “Pelo telefone”, primeiro samba gravado, pela Banda Odeon, em 1916, ao ver que hoje o ritmo é permitido a todos que desejem ouvi-lo? O perigo está no vício. Após noventa e três anos, apenas a roleta, citada na música, é considerada uma contravenção.
O samba é do povo, como a praça, e quem sabe o céu, que outrora pertenceu ao condor e, posteriormente, ao avião. Sob sua influência você pode ver o suingue desengonçado das japonesas e das louras européias, que, já extremamente bronzeadas, e embriagadas pelo ambiente da festa, e por algumas doses de qualquer bebida, caem na lábia e nos braços dos baianos.
Essa aquarela global avança no compasso dos ritmistas, que fazem explodir esta arte popular no alto dos trios ou no chão de barro dos bairros populares. A festa foi conduzida por nomes consagrados como Arlindo Cruz, Nelson Rufino, Grupo Fundo de Quintal, Dudu Nobre e Revelação, que dividiram democraticamente a atenção do público com a diva baiana Mariene de Castro e nomes novos como o Alma Popular, em seu primeiro carnaval.
O samba, tal qual a hidra mitológica, que a cada cabeça cortada apresentava outra em seu lugar, trouxe a voz do morro, da periferia e do Recôncavo para brincar no asfalto da “Avenida”. Os súditos de Momo vão soltos ou aderem a cordões, pagos ou não, para seguir o encanto e a malemolência das filhas do Senhor do Bonfim. Não querem saber se o diabo nasceu na Bahia ou em qualquer outro sítio. Enquanto isso, aguardam o trio romper, ao sol, na quarta-feira, cantando um Brasil rebolando ladeira abaixo.
O morro forçou sua passagem. Fez valer sua voz e a cidade inteira sambou. No ano do afoxé, do Campo Grande até a Praça Castro Alves se podia ouvir o povo sussurrando que este ano foi seu. Algo mais que confirmado com o retorno do samba elétrico dos Novos Baianos, que voltaram a fazer “de qualquer pedaço” um Campo Grande, comemorando este ano 40 carnavais de sua histórica e profícua reunião.
Um de seus cantores, Paulinho Boca, durante a apresentação no Centro sentenciou que depois de tanto tempo o grupo parece eterno. E o povo nas ruas confirmava cantando, sem cansar, quase todas as músicas.
A marca do grupo ainda se apresenta ao se olhar bem de perto para o carnaval da Bahia, atentamente, sem o auxílio de lentes de aumento. O hábito hoje tão comum de subir num trio elétrico e cantar era algo inusitado na década de 1960, antes destes mestres da música brasileira, que tocaram pandeiro e fizeram todo mundo dançar sua mistura tropicalista de rock, samba, bossa e baião.
Bem que, antes que a quarta-feira chegasse, a Bahia em saudação poderia ter gritado em uníssono, que “acabou chorare, mas, no fim, ficou tudo lindo, de manhã cedinho”!

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