e com a palavra...

Um instante, seu Arcebispo...

No final do século XIX, com a proclamação da república, o Estado brasileiro, abraçando as tendências positivistas européias, difundidas, principalmente, pelo francês Auguste Comte, separou-se oficialmente da Igreja. Teoricamente deu-se, naquele momento, o primeiro passo para uma ampla liberdade religiosa.
Claro que o processo foi gradual e moveu-se com lentidão no que se referia a dar espaço a religiões não-cristãs, como o candomblé, por exemplo, que até bem pouco tempo (leia-se meados do século XX), era tratado como cultura marginal, sendo sua prática sujeita a prisão.
Com todo esse trabalho para definir democraticamente a posição de um e de outro, religião e Estado, parece que, para uns, essa dissociação não está totalmente esclarecida. Ou seria algo difícil de descer pela garganta de alguns? O fato é que representantes do povo, no meio político, ainda galgam posições através da religião. Esta, por sua vez, sente-se no direito de palpitar e até interferir (ou tentar, pelo menos) em decisões que não são da sua competência.
Vejamos um caso, que conseguiu grande espaço na mídia brasileira, apesar do fascínio desta por casos supérfluos, como o que representa o retorno de Ronaldo Fenômeno, ou quanto custa os passeios (leia-se viagens de pré-campanha) da Ministra da casa-civil Dilma Roussef pelo país.
Desde o final de fevereiro vem-se discutindo o caso da garotinha pernambucana, de nove anos, que engravidou após ser estuprada, e, seguindo determinação médica, foi submetida a um aborto induzido, para evitar a provável morte da menina, que, de acordo com os médicos, não dispunha de condições físicas, sem mencionar o prejuízo emocional, para suportar uma gestação, e, neste caso, como agravante, de gêmeos.
O arcebispo de Olinda e Recife entrou na discussão, e, valendo-se da pragmática dos dogmas religiosos, tentou impedir, sem sucesso, o aborto. Alegou o eclesiástico, que este procedimento contrariava as regras divinas.
Disse também que o estupro sofrido pela garota seria um crime menor frente à, segundo ele, “absurda” interrupção da gestação, excomungando, entenda-se amaldiçoando, expulsando do seio da igreja (resta saber se algum deles é ou, algum dia, foi católico), tanto os médicos realizadores do procedimento quanto a mãe da menina. Salva da pena do arcebispo, a garota, aguarda no hospital, seu pronto restabelecimento, para poder regressar à sua casa.
Como é possível um dito representante do que é divino, vir a público, dedo em riste, contra uma ação que salvou uma vida? A lei brasileira é clara quanto a casos de gravidez precedida por estupro: a vítima tem direito ao aborto. Nosso Estado é laico, a religião nada pode fazer ante as leis pré-estabelecidas. E, no mais, as crenças católicas, tão difundidas durante séculos, nos levam a crer que Deus é composto essencialmente de amor, portanto, prontamente disposto a entender uma questão tão óbvia quanto a necessidade de se salvar uma vida.
Urge agora, e já com certo atraso, uma discussão mais incisiva quanto ao direito da mulher poder escolher que destino dar a seu corpo. Esta foi uma situação em que a vida de uma menininha estava em jogo. Mas, há inúmeros outros casos onde essa necessidade requer urgência. Cabe às autoridades uma maior atenção a esta falta. É um absurdo que ainda tenhamos que discutir se é pecado ou não realizar um aborto em uma garota de nove anos, estuprada, que, sem este procedimento morreria.

Orquestra Imperial encanta a Concha Acústica



por: Carlos Eduardo

De puro êxtase foi a expressão nos olhos de Lorena, que, pela primeira vez ouvia uma seqüência de músicas da imprevisível Orquestra Imperial. E, como quase todos os presentes naquela noite, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves (TCA), um show inteiro da banda.
O “hermano” Rodrigo Amarante, a polivalente Thalma de Freitas, o multi-instrumentista Moreno Velloso e outros nomes, consagrados ou não, do cenário musical brasileiro que fazem parte dessa big band carioca, que conta ainda com o auxílio luxuoso do mestre Wilson das Neves, e da pegada tropicalista de Nélson Jacobina, eterno parceiro de Jorge Mautner, mostraram, no palco, porque esse grande encontro vem funcionando tão bem há tanto tempo (sete anos), e porque razão a Concha estava lotada de fãs e curiosos.
A apresentação começou com “sem compromisso”, de Nelson Trigueiro e Geraldo Pereira. A Orquestra passeou com fluidez irrepreensível por clássicos do samba e da MPB. E, se há uma coisa da qual o grupo não prescinde, é a irreverência, facilmente notada, acatada e reverenciada pelo público.
Os convidados, marca registrada da OI, são intimados a comparecer ao palco ao som de uma clássica vinheta, utilizada durante muitos anos por Silvio Santos, em seu “Show de Calouros”, aquela com um característico “lá vem Fulano lá, lá rá lá rá...”.
Os convocados não fugiam às características da noite e deram um espetáculo à parte. Tanto a diva Virginia Rodrigues, quanto o roqueiro Márcio Mello entraram na dança e mantiveram o alto nível da festa durante o tempo em que estiveram no palco.
No final de sua apresentação, Márcio, provocado por Moreno Velloso com um sarcástico “agora quero ver você tocar um samba!”, arriscou os primeiros acordes do Samba da Benção, de Vinícius de Morais e Baden Powell. Provocação aceita e respondida, a OI acatou a idéia e seguiu o cantor até o final da música.
A ausência sentida foi de Nina Becker, cantora de voz forte, e dona de uma doçura e presença de palco marcantes, que, apesar de (en) cantar em duas canções, onde o público pôde notar que falta faria sua ausência, passou a maior parte das quase duas horas de espetáculo no backstage, ao que parece, vítima de um súbito mal-estar.
O encanto então ficou por conta do talento e da beleza de Thalma de Freitas, que esbanjou charme e abusou dos elogios ao declarar seu amor à Bahia. Um animadíssimo Moreno Velloso e a irreverência incontida de Amarante, que ao final, deu muito trabalho aos assistentes de palco, subindo no bumbo da bateria e causando uma divertida confusão, enquanto cantava “eu bebo sim, estou vivendo...”, deram cores, e tons, finais ao espetáculo, que contou ainda com um desabafo, em forma de canção, do músico Rubinho Jacobina, irmão do Nélson, cujo refrão dizia, com todas as letras, que, apesar de inúmeros adjetivos que lhe podiam ser atribuídos, “artista é o caralho!”.

O carnaval visto a partir dos quadris de uma mulata que descia a ladeira


“Se fosse por mim, todo mundo andava sambando assim, nesse passo passando, porque nada mais bonito que um brasileiro pé duro, representante da raça, descendo num samba, a ladeira da praça” (Morais e Galvão)

Por: Carlos Eduardo

Das ruas, ladeiras, esquinas e becos de Salvador vieram baianas de saias rodadas, exibindo o bordado das sandálias e convidando os mortais para sambar. E o povo foi. Quem não iria? Neste clima lascivo, e não dava para ser diferente, deu-se início ao carnaval no Centro da cidade. Na “Avenida”, como chama, carinhosamente, o soteropolitano à Avenida Sete de Setembro.
Os afoxés ou candomblés de rua, capitaneados pelo Filhos de Gandhy, que, neste carnaval, completou 60 anos de atividades, foram os grandes homenageados da festa de Momo. No entanto, a cena na Cidade Alta foi tomada de assalto pelo samba, que, representado por algumas de suas maiores expressões, samba-exaltação, samba-enredo, pagode, samba-de-roda entre elas, voltou a ser destaque.
Em entrevista cedida ao programa Soteropólis da TV Educadora da Bahia (TVE), exibida na noite de 26 de fevereiro, o sambista Roberto Mendes confirmou que o apoio do governo do estado veio suprir uma necessidade do carnaval baiano em preservar suas raízes.
O governo estadual, através do programa “Carnaval Ouro Negro”, investiu, já pelo segundo ano seguido, recursos para garantir os desfiles de entidades de matriz africana (afoxés, blocos de samba, de reggae, de índios e de percussão). Tendo o número de organizações beneficiadas aumentado de 104 em 2008, para 117 este ano. Os recursos variam, de acordo com o site da secretaria estadual de cultura, de R$ 15 a R$ 100 mil, num total de R$ 4,2 milhões. O critério adotado para garantir o repasse foi a prestação de contas por parte de cada entidade.
Nascido na Bahia ou não, o samba traz a poesia, a alegria e o lamento como antagonismos necessários à sua existência. Hoje ele é universal. Que diriam Donga e Mauro Almeida, autores de “Pelo telefone”, primeiro samba gravado, pela Banda Odeon, em 1916, ao ver que hoje o ritmo é permitido a todos que desejem ouvi-lo? O perigo está no vício. Após noventa e três anos, apenas a roleta, citada na música, é considerada uma contravenção.
O samba é do povo, como a praça, e quem sabe o céu, que outrora pertenceu ao condor e, posteriormente, ao avião. Sob sua influência você pode ver o suingue desengonçado das japonesas e das louras européias, que, já extremamente bronzeadas, e embriagadas pelo ambiente da festa, e por algumas doses de qualquer bebida, caem na lábia e nos braços dos baianos.
Essa aquarela global avança no compasso dos ritmistas, que fazem explodir esta arte popular no alto dos trios ou no chão de barro dos bairros populares. A festa foi conduzida por nomes consagrados como Arlindo Cruz, Nelson Rufino, Grupo Fundo de Quintal, Dudu Nobre e Revelação, que dividiram democraticamente a atenção do público com a diva baiana Mariene de Castro e nomes novos como o Alma Popular, em seu primeiro carnaval.
O samba, tal qual a hidra mitológica, que a cada cabeça cortada apresentava outra em seu lugar, trouxe a voz do morro, da periferia e do Recôncavo para brincar no asfalto da “Avenida”. Os súditos de Momo vão soltos ou aderem a cordões, pagos ou não, para seguir o encanto e a malemolência das filhas do Senhor do Bonfim. Não querem saber se o diabo nasceu na Bahia ou em qualquer outro sítio. Enquanto isso, aguardam o trio romper, ao sol, na quarta-feira, cantando um Brasil rebolando ladeira abaixo.
O morro forçou sua passagem. Fez valer sua voz e a cidade inteira sambou. No ano do afoxé, do Campo Grande até a Praça Castro Alves se podia ouvir o povo sussurrando que este ano foi seu. Algo mais que confirmado com o retorno do samba elétrico dos Novos Baianos, que voltaram a fazer “de qualquer pedaço” um Campo Grande, comemorando este ano 40 carnavais de sua histórica e profícua reunião.
Um de seus cantores, Paulinho Boca, durante a apresentação no Centro sentenciou que depois de tanto tempo o grupo parece eterno. E o povo nas ruas confirmava cantando, sem cansar, quase todas as músicas.
A marca do grupo ainda se apresenta ao se olhar bem de perto para o carnaval da Bahia, atentamente, sem o auxílio de lentes de aumento. O hábito hoje tão comum de subir num trio elétrico e cantar era algo inusitado na década de 1960, antes destes mestres da música brasileira, que tocaram pandeiro e fizeram todo mundo dançar sua mistura tropicalista de rock, samba, bossa e baião.
Bem que, antes que a quarta-feira chegasse, a Bahia em saudação poderia ter gritado em uníssono, que “acabou chorare, mas, no fim, ficou tudo lindo, de manhã cedinho”!

O jornalista, o cavaleiro e a ética

Por: Carlos Eduardo

“O jornalismo é a prática cotidiana do caráter”, já dizia Cláudio Abramo. E como poderia ser diferente? Esses elementos devem sim andar de mãos dadas, como irmãos de contos infantis. Mas, existem profissionais, que, sem atrelar qualquer ônus à consciência, burlam os códigos éticos em proveito próprio. O que parece comum, quando falamos de uma sociedade hedonista, onde o bem coletivo é cada vez mais esmagado e dispensado sob o tapete.
A jornalista Malu Fontes, relatou, há algum tempo em coluna que mantém em uma famosa rádio de Salvador, sem citar nomes, histórias de profissionais de veículos badalados da cidade que, utilizam de sua influência (ou a do meio em que trabalham) para obter descontos em lojas, empréstimos de roupas finas para eventos e até “mimos” de donos de estabelecimentos em troca de publicidade.
Difícil saber quais os argumentos utilizados por estas pessoas (se existem), para justificar tal conduta. Talvez se encaixe naquela máxima de que, se podem “trocar favores” em Brasília sem constrangimento, por que não fazê-lo aqui também? O precedente foi mais uma vez ratificado, há pouco, pelo “bola da vez” da Ilha da Fantasia do Planalto Central, Edmar Moreira, deputado pelo DEM – MG, e seu “insanável vício da amizade”, que, de acordo com o parlamentar, é lugar-comum no congresso.
Como evitar tais deslizes? A tentação, em sentido bíblico mesmo, está aí, em todos os cantos da sociedade. Será que cabe ao jornalista vestir-se tal qual um cavaleiro da lendária Távola Redonda, a fim de se proteger dos ataques contra sua imprescindível virtude? Bem, não temos a alma tão impenetrável quanto o justo Galahad, nem, como estes guerreiros, buscamos a perfeição humana. Contudo precisamos nos manter vigilantes, o tempo inteiro. Pois, sempre haverá corruptores, não se enganem.
Como não havia cavaleiros em horário comercial, não devem existir jornalistas de meio período. O profissional de imprensa deve estar alerta todo o tempo. Um soldado entrincheirado e combativo em tempo integral. Pronto e disposto sempre a defender sua coroa, a ética, ante os desafios diários do meio. Mesmo que isso lhe custe sua sensação pessoal de paz. Ser justo o tempo inteiro deve doer, como dói a tentativa, que é o degrau em que todos, ainda, e, felizmente, nos encontramos.

Ética retalhada

“... vocês ficarão aliviados ao saber que tudo não passou de um entretenimento” (Orson Welles no fim da ‘cobertura’ da invasão alienígena)
Por: Carlos Eduardo

Subentende-se por ética um código comportamental de determinada sociedade, em consonância com valores estabelecidos numa época especifica. Há, no entanto, situações que passam despercebidas, podendo divergir diretamente desses princípios pré-concebidos. Nasce aí a dúvida acerca dos limites convencionados. Como identificar e desagregar o que é “bom” para a comunidade daquilo que pode beneficiar uns poucos?
O soco - Montevidéu, 23 de novembro de 1981, final da Taça Libertadores da América entre Flamengo e Cobreloa do Chile. Após vitória flamenguista no Maracanã, e caça aos rubro-negros no Chile, onde venceram os donos da casa, o neutro Uruguai foi palco do decisivo embate. A história é conhecida, o Flamengo venceu por 2 a 0, sagrou-se campeão e todos foram felizes para sempre, ok?
Mas, como nos melhores contos de fadas alemães, nem tudo é como parece, e, nem sempre a história é contada de maneira exemplar, edificante. Minutos antes de terminar a partida, já decidida, o técnico rubro-negro, Paulo Cesar Carpeggiani manda o ponta-esquerda Anselmo entrar em campo com uma missão: vingar os companheiros agredidos no jogo anterior, socando um adversário.
O ato provocou confusão em campo. Anselmo foi expulso, levando consigo dois jogadores adversários. Dever cumprido. Mas, não está entre os méritos históricos das atividades esportivas a suspensão temporária das hostilidades e a manutenção das boas relações entre os povos? Até que ponto uma atitude agressiva, e vingativa pode desmerecer uma vitória obtida com reconhecido merecimento? O resultado não podia mais ser alterado. A atitude reflete a sanha humana primitiva de se impor através da força.
A invasão - EUA, outubro de 1938, adaptando para o rádio a obra “Guerra dos mundos” de H.G. Wells, Orson Welles, ator, jornalista e cineasta norte-americano, provocou pânico nos ouvintes da rádio CBS (Columbia Broadcasting System) e de suas retransmissoras, simulando uma invasão marciana na cidade de Grover’s Mill, New Jersey, causando alvoroço sem precedentes.
O fato serviu para consolidar a posição do rádio como veículo de massas, comprovando seu poder e influência. Segundo jornais da época, a encenação contava com sons entrecortados por momentos de um silêncio mórbido, o que aumentava a tensão e aclimatava o pânico dos ouvintes. Tudo se deu como uma cobertura jornalística.
Estima-se que cerca de seis milhões de pessoas nos EUA acompanharam os relatos, que contavam com intervenções ao vivo de repórteres no meio da programação, criando um ambiente propício ao terror, além da palavra de especialistas que comentavam as conseqüências de um fato deste porte.
No início da transmissão, Welles informou ao público sobre a representação, mas, quando grande parte dos ouvintes sintonizou a CBS, a apresentação estava em andamento passando então a aceitar a situação como verdade. Houve fuga em massa das cidades vizinhas àquelas onde, supostamente, ocorria a invasão, sobrecarga nas comunicações, o que correspondia aos relatos, pânico generalizado, pessoas desesperadas invadindo as ruas. Além de Jersey, o caos paralisou as cidades de Newark e Nova Iorque.
Responsabilidade - A “brincadeira” de Welles ancorou-se na credibilidade que a comunidade deposita nos meios de comunicação. É nesta linha tênue que se sustenta a indústria da informação. Quando se pára de crer em determinado veículo ele perde sua força. É justamente esta troca de confiança que cativa o ouvinte/leitor/telespectador. Desfeito tal laço torna-se impraticável a transmissão de informações.
Cabe, em tempo, citar a atuação da mídia sensacionalista que, a seu modo, inflige medo nas pessoas através da exibição gratuita, com a desculpa de que precisam mostrar a verdade, da miséria humana em sua pior face. Este jornalismo selvagem e sem controle não costuma ater-se a convenções sociais e exibe todo o seu espetáculo grotesco geralmente ao meio-dia, quando os cidadãos estão, em sua maioria, livres de afazeres e, portanto aptos a digerir crua, a realidade que lhe é apresentada.
Os transmissores de informação, notoriamente conscientes de seu poder diante da opinião pública precisam encontrar meios responsáveis para divulgar a notícia, de modo que esta seja interessante, sem, no entanto comprometer sua imagem perante seus receptores, nem precisar utilizar de meios sensacionalistas e, por vezes, inescrupulosos para conseguir seu intento: a audiência, ou a venda de jornais.
Castelo de cartas marcadas - Brasília, 2009, o deputado federal pelo DEM de Minas Gerais, Edmar Moreira, concorre como candidato avulso ao cargo de 2º vice-presidente da câmara. Até aí, tudo bem, afinal a democracia ainda impera no país.
Eis que surge um fato, que soaria fabuloso não fossem imagens nos jornais e na televisão, que ilustram a história. Um castelo, em estilo medieval, não declarado à Receita, avaliado em cerca de R$ 20 milhões, em São João Nepomuceno, interior mineiro, é identificado como propriedade do deputado. Suspeita-se então de que o imóvel foi construído com o desvio de dinheiro público.
Edmar, que era apontado, até então, como candidato provável ao cargo de corregedor-geral da casa, função que, a princípio, passa uma idéia de que seu ocupante deve ter o mínimo de conduta ética, justificou o ocorrido, dizendo que, por estar em nome de seus filhos o bem não deveria constar como sua propriedade. Não se esquecendo de ressaltar que sua trajetória política sempre foi pautada pela transparência, e essas coisas que diz todo político acusado.
Bem, seu partido, o DEM, que engendra uma árdua luta para livrar-se da imagem deixada por sua sigla anterior, o PFL, e tornar-se um partido defensor dos ditames éticos da nação – assim como era o antigo PT, não sei se vocês lembram – decidiu entrar na história, exigindo seu mandato junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Xeque-mate - Edmar abdicou (verbo adequado em casos de habitantes de castelos, palácios e afins) da vice-presidência, sem abrir mão da corregedoria-geral, que lhe escapou em seguida, restando agora o risco de perder também o mandato. Foi sendo aos poucos derrotado como um rei acuado num jogo de xadrez.
Recentemente, o deputado solicitou desfiliação do DEM, tentando não perder nos bastidores o que conquistou nas urnas. Contudo, pesa ainda sobre ele a acusação de ter desviado valores relativos às contribuições previdenciárias que deveriam ter sido descontadas do salário dos funcionários de suas empresas.
Assim se vê um funcionário público indo contra tudo o que seu cargo e aqueles que o concederam esperam. Sem comprometimento algum do eleito para com seu principal patrão – a população. A regra vigente aqui é a do acúmulo, e da preservação de bens privados a partir do uso de recursos públicos.
Quem sabe, com a intervenção de São João Nepomuceno, não sua cidade, mas, o santo padroeiro mesmo, que tem certa experiência em ouvir e ajudar quem tem segredos “cabeludos”, Edmar Moreira consiga seu intento. O que seria a derrota da democracia a partir de uma conduta imoral. São João Nepomuceno é tido como o confessor da rainha Isabel Stuart da Boêmia, atual República Checa. Dizem que levou para o túmulo os segredos da rainha. Nestes tempos, segredos reais costumavam ruborizar os mais libertinos habitantes de Sodoma e Gomorra juntos. Hoje, soariam como cantigas de roda em boca de criança.